Como psicólogo cognitivo-comportamental, sempre me fascinou a forma como o cérebro muda, se reorganiza e adapta sua própria arquitetura ao longo da vida. A cada sessão clínico-terapêutica, percebo que os pacientes chegam com perguntas implícitas sobre como pensamentos, emoções, memórias e comportamentos são moldados biologicamente. Até onde vai a influência da experiência sobre o cérebro? Como as lesões, o desenvolvimento infantil e a maturação neural se conectam? E, principalmente, como tudo isso influencia o processo de mudança psicológica?
Para responder a essas perguntas, é impossível não começar pelo que sustenta todo o funcionamento mental: o Sistema Nervoso e sua extraordinária capacidade de plasticidade.
O Sistema Nervoso: Arquitetura Geral
O sistema nervoso se organiza em duas grandes estruturas:
• Sistema Nervoso Central (SNC): encéfalo + medula espinhal.
• Sistema Nervoso Periférico (SNP): nervos e gânglios que conectam o SNC ao corpo todo.
Essa divisão não é apenas estrutural — é também funcional e dinâmica.
Sistema Nervoso Central (SNC): O Núcleo da Cognição e do Comportamento
O SNC é a base das funções superiores:
• Pensamento
• Memória
• Inteligência
• Planejamento
• Autocontrole
• Tomada de decisão
Quando eu digo a um paciente que “mudanças psicológicas sustentáveis exigem mudanças neurais”, estou falando exatamente do SNC.
Encéfalo
Estrutura extremamente complexa, composta por bilhões de neurônios e trilhões de sinapses.
Medula espinhal
Responsável por transmitir impulsos neurais entre o corpo e o encéfalo; essencial para movimentos voluntários, reflexos e sensibilidade.
Sistema Nervoso Periférico (SNP): A Ponte entre o Cérebro e o Corpo
O SNP é formado pelos nervos e gânglios, que emergem da medula espinhal e se ramificam por todo o organismo.
Ele garante que comandos motores do cérebro cheguem aos músculos e que mensagens sensitivas (dor, toque, calor) retornem ao SNC.
Quando um paciente me diz: “Sinto que meu corpo reage antes de eu pensar”, essa percepção está relacionada à velocidade de condução do SNP.
Neurônios: Unidades Estruturais e Funcionais do Sistema Nervoso
O neurônio é formado por três regiões principais:
• Corpo celular (soma).
• Dendritos – recebem informações.
• Axônio – transmite informações para outras células.
Um aspecto fundamental: neurônios não se dividem. Isso significa que:
• Lesões neuronais são críticas.
• Recuperação depende quase sempre de vias alternativas.
• Plasticidade é mais importante do que “substituição”.
Essa ideia é essencial na psicoterapia baseada em neurociência: mudamos as conexões, não criamos “novos neurônios” em massa.
Células da Glia: O Suporte Invisível e Indispensável
Embora menos comentadas fora do meio científico, as células gliais são essenciais:
• Células de Schwann – regeneração no SNP.
• Oligodendrócitos – produção de mielina no SNC.
• Astrócitos – nutrição, limpeza química, suporte estrutural.
• Micróglia – defesa imunológica do SNC.
Quando pacientes enfrentam traumas ou lesões, muitas vezes a glia é a grande responsável pela reorganização funcional.
Lesões no Sistema Nervoso: Quando o Circuito fica comprometido
As lesões podem acontecer no:
SNC
• AVC
• Traumatismo craniano
• Infecções e processos inflamatórios
SNP
• Acidentes automobilísticos
• Cortes profundos
• Compressões prolongadas de nervos
Cada tipo de lesão ativa um processo específico de reorganização neural, altamente dependente da plasticidade.
Os 3 Tipos de Recuperação do Sistema Nervoso
1. Regeneração Axonal
Quando o axônio é lesionado, há possibilidade de regeneração espontânea, principalmente no SNP, graças às células de Schwann.
2. Restauração Neuronal
Quando o dano atinge o corpo celular do neurônio, a recuperação depende da atuação intensa da glia — especialmente astrócitos.
3. Neurogênese
Processo de criação de novos neurônios a partir de células-tronco. Extremamente raro, acontecendo de forma limitada em regiões como o hipocampo.
Na prática clínica, isso significa que:
• No cérebro não cresce novos neurônios facilmente.
• Mas cria novas conexões o tempo inteiro.
• O processo terapêutico é essencialmente um processo de neuroplasticidade guiada.
Neuroplasticidade: A Capacidade de Mudar
Neuroplasticidade é a habilidade do cérebro de reorganizar circuitos neuronais em resposta à experiência.
Isso inclui:
• Criação de novas sinapses.
• Fortalecimento de caminhos já existentes.
• Enfraquecimento de caminhos desadaptativos.
• Recrutamento de áreas alternativas.
• Modificação da eficiência sináptica.
Quando acompanho um paciente superando ansiedade, trauma ou dificuldades cognitivas, vejo claramente as marcas dessas mudanças na forma como ele pensa, interpreta e reage ao mundo.
Neurodesenvolvimento: O Cérebro mudando do Nascimento à Vida Adulta
O desenvolvimento neural humano ocorre em fases, integrando fatores:
• Biológicos.
• Sociais.
• Culturais.
Durante todo esse processo, a plasticidade é o motor principal da construção das funções cognitivas.
Piaget e a Construção do Pensamento
Jean Piaget descreveu 4 estágios cognitivos fundamentais. Eles não são apenas fases psicológicas — representam também transições neurais estruturais.
1. Estágio Sensório-Motor (0–2 anos)
• Aquisição do esquema corporal.
• Primeiras coordenações motoras.
• Construção da permanência do objeto.
2. Estágio Pré-Operacional (2–7 anos)
• Egocentrismo.
• Início do pensamento simbólico.
• Desenvolvimento da linguagem.
3. Operações Concretas (7–11 anos)
• Lógica aplicada aos objetos.
• Conservação.
• Classificação e seriação.
4. Operações Formais (11+ anos)
• Pensamento abstrato.
• Hipótese-dedução.
• Raciocínio científico.
Essas transformações só acontecem porque o cérebro, ao se desenvolver, reorganiza suas conexões de forma maciça.
A Linha do Tempo do Neurodesenvolvimento
Neurulação (1–3 meses de gestação)
Formação inicial da medula espinhal e do tronco encefálico.
Neurogênese (2º trimestre)
Criação e migração neuronal.
Ocorre apoptose — morte celular programada — para organizar o sistema.
Crescimento (3º trimestre)
Aumento do volume cerebral, arborização dendrítica e início das conexões.
Sinaptogênese
Criação intensa de novas sinapses ao longo da infância.
Poda Axonal e Poda Sináptica
Eliminação de conexões redundantes para tornar o sistema mais eficiente.
Mielinização
Processo crítico para velocidade de transmissão neural, ocorrendo até o início da vida adulta.
Da Infância à Vida Adulta: Mudanças de Eficiência Cerebral
Infância e adolescência
• Funcionamento neural difuso.
• Menor eficiência.
• Redes amplas e inespecíficas.
• Maior plasticidade.
Vida adulta
• Funcionamento mais localizado.
• Maior precisão.
• Eficiência energética.
• Menor plasticidade, porém mais estável.
Isso explica por que a aprendizagem é mais fácil na infância, mas o controle executivo (pré-frontal) só amadurece mais tarde.
Desenvolvimento Neuropsicomotor: A Base do Movimento e da Cognição
Processo que integra motricidade, cognição e sociabilidade.
Segue duas leis:
• Céfalo-caudal: da cabeça para o tronco.
• Próximo-distal: do centro para as extremidades.
Isso justifica porque bebês:
• Movem primeiro a cabeça.
• Depois sentam.
• Depois engatinham.
• Depois caminham.
• E só depois dominam movimentos finos.
O Papel do Córtex Pré-Frontal na Maturação do Comportamento
O desenvolvimento pré-frontal é fundamental para:
• Autocontrole.
• Regulação emocional.
• Planejamento.
• Tomada de decisão.
Quando trabalho com adolescentes, observo que impulsividade e variabilidade emocional são, em grande parte, explicadas pela maturação incompleta dessa região.
Estímulos Ambientais e Plasticidade do SNC
A plasticidade depende de:
• Experiências significativas.
• Repetição.
• Elaboração.
• Desafio cognitivo.
• Redução de distrações.
Esses elementos fortalecem sinapses e criam novos circuitos.
Uma frase que sempre uso em sessão é: “O que você pratica se torna seu cérebro.”
Aprendizagem, Memória e Plasticidade Sináptica
Toda aprendizagem envolve três fases:
• Aquisição.
• Consolidação.
• Evocação.
Do ponto de vista neural, isso significa:
• Fortalecer sinapses relevantes.
• Enfraquecer caminhos que não são usados.
• Integrar conhecimento novo com redes prévias.
Repetição aumenta a intensidade da conexão.
Elaboração aumenta a complexidade e a robustez do circuito.
Transformando Neurociência em Intervenção Clínica
No consultório, percebo que os pacientes se engajam mais quando entendem que:
• Ansiedade é um circuito.
• Trauma é um circuito.
• Crenças são circuitos.
• Habilidades emocionais são circuitos.
E que novos circuitos podem — e devem — ser construídos.
Trata-se de neuroplasticidade aplicada à psicoterapia.
Exemplo Clínico 1: Ansiedade e Superestimulação do Sistema Nervoso
Certa vez atendi um paciente que descrevia “explosões de ansiedade no peito”. Ao psicoeducar sobre o SNP e o SNC, ele percebeu que a sensação era um reflexo da hiperativação autonômica — não um defeito pessoal.
Com exercícios graduais de regulação, fomos modificando lentamente seu circuito de alarme.
Isso é plasticidade em ação.
Exemplo Clínico 2: Trauma e a Reconstrução de Circuitos
Outra paciente, após um acidente automobilístico, desenvolveu hipervigilância.
Expliquei como o SNP registra memórias somáticas e como o SNC reconstrói o sentido da experiência.
Com TCC, exposição e reprocessamento emocional, o cérebro dela gradualmente realocou o significado do evento.
Circuitos de medo foram despotencializados. Novas associações foram criadas.
Como psicólogo, percebo diariamente que mudar é possível porque o cérebro muda. Toda intervenção psicoterapêutica é uma forma de orientar o paciente a construir novos caminhos neurais, reorganizar percepções, modular emoções e fortalecer repertórios comportamentais mais adaptativos.
Neuroplasticidade não é apenas um conceito científico — é o fundamento da transformação humana.
Perguntas Frequentes sobre Neuroplasticidade
1. O que é neuroplasticidade em termos simples?
É a capacidade do cérebro de se reorganizar, criando e fortalecendo conexões neurais ao longo da vida.
2. O cérebro pode realmente mudar depois da infância?
Sim. A plasticidade diminui, mas continua ativa na vida adulta e é a base da psicoterapia.
3. Lesões no cérebro podem ser recuperadas?
Depende da extensão, da região afetada e do tipo de lesão. A recuperação é mediada pela plasticidade e pelo suporte das células gliais.
4. Crianças aprendem mais rápido do que adultos?
Sim, porque possuem maior plasticidade sináptica e redes mais difusas e flexíveis.
5. O que fortalece as conexões neurais?
Repetição, elaboração, aprendizagem significativa, desafio cognitivo e redução de distrações.
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DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
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