Quando o brilho interno é apagado pela própria mente
Há momentos em que observo pacientes elogiarem alguém e, na mesma sessão, recusarem qualquer elogio dirigido a si mesmos. “Não fiz nada demais”, dizem. “Qualquer um teria feito igual.” Essa sutileza é devastadora.
Na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), chamamos isso de desqualificação do positivo — uma distorção cognitiva que nega o valor das experiências favoráveis, como se a mente possuísse um filtro seletivo incapaz de registrar o que é bom.
Em minha prática clínica, percebo que esse padrão não nasce da falta de autoconhecimento, mas da presença silenciosa de crenças profundas: “não sou bom o bastante”, “não mereço reconhecimento”, “se algo deu certo, foi sorte”. Esses pensamentos não soam como mentiras — eles soam como verdades antigas.
E é por isso que são tão difíceis de desafiar.
A desqualificação do positivo é o ato de apagar o brilho antes mesmo que ele ilumine, de transformar méritos em exceções, sucessos em coincidências. É uma forma de autossabotagem cognitiva que mantém a autoestima refém da autocrítica.
Neste artigo, quero conduzir você por esse território invisível da mente: compreender como e por que isso acontece — e principalmente, como reconstruir o olhar interno que valida o que é real e bom em você.
O que é desqualificação do positivo na TCC?
A desqualificação do positivo é uma das distorções cognitivas descritas por Aaron Beck e popularizadas por David Burns.
Ela ocorre quando a pessoa invalida experiências positivas, alegando que “não contam” ou “não são significativas”, enquanto supervaloriza aspectos negativos.
Em termos simples: Tudo o que confirma a visão negativa é verdadeiro, e tudo o que contradiz, é descartado.
Essa distorção mantém crenças centrais disfuncionais. Se alguém acredita “sou incompetente”, mesmo uma promoção ou elogio será reinterpretado: “fui promovido porque faltava alguém”, “ele só elogiou por educação”.
Em minha prática, lembro de uma paciente que, após ser aprovada em um concurso público, me disse:
“Foi sorte. Se fosse uma prova justa, eu não passaria.”
Sua mente desqualificava o positivo de forma quase automática, impedindo-a de sentir a satisfação da conquista.
No fundo, a desqualificação do positivo é um mecanismo de coerência interna — o cérebro busca manter uma visão consistente de si mesmo, mesmo que essa visão seja injusta.
Por que a mente faz isso: Mecanismos cognitivos e emocionais
A desqualificação do positivo é sustentada por uma série de mecanismos psicológicos e neurocognitivos.
1. Crenças nucleares de desvalor
Pessoas que cresceram em contextos de crítica, rejeição ou exigência extrema desenvolvem crenças como “não mereço amor” ou “nunca é suficiente”.
Essas crenças distorcem a percepção de sucesso: se algo dá certo, deve haver um erro no sistema.
2. Viés de negatividade
O cérebro humano é biologicamente programado para detectar ameaças mais do que recompensas. Estudos mostram que estímulos negativos têm o dobro do impacto neural em relação aos positivos.
Assim, validar o negativo é automático; reconhecer o positivo requer esforço consciente.
3. Aprendizagem social e reforço condicionado
Muitos pacientes relatam ter crescido em lares onde elogios eram raros e críticas, frequentes. Com o tempo, o elogio passa a gerar desconforto — não prazer.
A mente aprende que “aceitar o positivo” é perigoso, porque pode parecer arrogância ou fraqueza.
4. Evitamento emocional
Para alguns, aceitar algo bom ativa emoções vulneráveis, como ternura, orgulho ou gratidão — sentimentos que, na infância, podiam estar associados à vergonha.
Então, inconscientemente, a pessoa prefere negar o bom do que sentir-se exposta ao reconhecimento.
Como identificar a desqualificação do positivo no cotidiano
Reconhecer essa distorção é o primeiro passo para desarmá-la.
Abaixo estão sinais comuns que encontro em pacientes (e que, talvez, você também reconheça em si):
	•	Você sente desconforto ao receber elogios ou recompensas.
	•	Atribui conquistas a fatores externos (“foi sorte”, “era obrigação”).
	•	Compara-se constantemente com os outros, minimizando seu esforço.
	•	Tem dificuldade em celebrar vitórias, mesmo pequenas.
	•	Acha que reconhecer o próprio mérito é “ser convencido”.
Um exercício que costumo propor chama-se “Diário das pequenas vitórias”. Peço que, ao final de cada dia, a pessoa registre três situações positivas — e descreva qual papel ela teve nelas.
No início, muitos escrevem: “não aconteceu nada bom”. Mas, aos poucos, percebem que o positivo sempre existiu — apenas estava sendo invisibilizado.
A origem clínica: Crenças sobre merecimento e perfeição
A desqualificação do positivo raramente existe sozinha.
Ela se entrelaça com outros esquemas cognitivos, como:
	•	Fracasso: “Nunca sou bom o suficiente.”
	•	Subjugação: “Meus sentimentos não importam.”
	•	Padrões inflexíveis: “Se não for perfeito, não vale.”
Esses esquemas criam uma lente pela qual a pessoa se enxerga permanentemente em dívida consigo mesma.
Lembro-me de um paciente, empresário, que dizia:
“Quando fecho um grande contrato, penso que devia ter fechado dois.”
Ele vivia em estado de insatisfação crônica, incapaz de integrar o sucesso como parte legítima de sua identidade.
Trabalhamos, então, com a seta descendente — uma técnica da TCC que investiga o que está por trás do pensamento automático.
Quando perguntei: “E se você fosse bom o suficiente?”, ele respondeu:
“Eu teria que parar de me esforçar tanto. E isso seria perigoso.”
A crença oculta era clara: “Se eu me permitir descansar, vou fracassar.”
O elogio, portanto, era percebido como ameaça — não como alívio.
Técnicas para corrigir a desqualificação do positivo
A reestruturação cognitiva exige atenção, prática e gentileza consigo mesmo.
Abaixo, algumas das estratégias mais eficazes que aplico em terapia cognitivo-comportamental.
1. Técnica da Seta Descendente
Pergunte-se:
“Se esse pensamento for verdadeiro, o que isso significa sobre mim?”
Por exemplo:
“Passei na entrevista porque dei sorte.”
→ “Se foi sorte, significa que não sou realmente competente.”
→ “Se não sou competente, não mereço reconhecimento.”
Chegar ao nível da crença central revela o núcleo emocional da distorção — e é ali que a mudança começa.
2. Questionamento Socrático
Confronte o pensamento com evidências objetivas:
	•	“O que me faz acreditar que foi apenas sorte?”
	•	“Houve algo que eu fiz bem nessa situação?”
	•	“Se fosse outra pessoa, eu desqualificaria da mesma forma?”
Esse método quebra o automatismo do pensamento e devolve racionalidade ao julgamento.
3. Experimentos comportamentais
Na TCC, o pensamento se transforma pela experiência, não só pela lógica.
Peço que o paciente pratique aceitar elogios sem justificar. Apenas dizer “obrigado”.
No início, há desconforto. Mas com o tempo, o sistema emocional se ajusta, aprendendo que aceitar o positivo é seguro e legítimo.
4. Reformulação positiva
Toda vez que um pensamento desqualificador surgir, reformule:
“Talvez eu tenha feito algo certo, mesmo que pequeno.”
Essa frase simples abre uma brecha cognitiva por onde a autocompaixão entra.
5. Treino de autocompaixão
A mente que rejeita o positivo geralmente aprendeu a se proteger da decepção. Por isso, a autocompaixão não é autoindulgência — é coragem emocional.
Práticas diárias, como mindfulness e gratidão estruturada, ajudam a recalibrar o sistema de atenção, permitindo que o cérebro volte a perceber o que antes ignorava.
A neuropsicologia da autovalidação
A valorização do positivo não é apenas uma questão emocional — é neurobiológica.
Quando validamos conquistas, o cérebro ativa regiões associadas à motivação e dopamina, como o núcleo accumbens e o córtex pré-frontal ventromedial.
Essas áreas reforçam comportamentos adaptativos e sustentam a sensação de competência.
Já o hábito de desqualificar o positivo fortalece circuitos de culpa e vigilância, especialmente na amígdala e no córtex cingulado anterior.
É como se a mente se treinasse a permanecer em alerta, mesmo diante da paz.
Modificar esse padrão não é apenas mudar pensamentos — é reeducar a fisiologia do reconhecimento.
A cura silenciosa: Quando o elogio se torna verdade
Houve um momento marcante em minha clínica. Uma paciente, após meses de trabalho terapêutico, entrou sorrindo e disse: “Hoje eu consegui dizer ‘obrigada’ sem me justificar.”
Parecia simples, mas era um marco. Pela primeira vez, o positivo foi acolhido — não rejeitado.
A desqualificação havia cedido espaço à integração do mérito, e com ela, a autoestima começou a se reconstruir.
A cura da desqualificação do positivo não é eufórica. É silenciosa, progressiva, quase imperceptível. É quando você deixa de duvidar do que é bom — e começa a acreditar que ser bom é possível.
Como começar essa mudança hoje
	•	Observe quantas vezes você minimiza algo bom que fez.
	•	Ao perceber, pause. Respire.
	•	Substitua o pensamento “não é nada” por “isso também conta”.
	•	Registre suas vitórias, por menores que pareçam.
	•	E, principalmente, permita-se sentir orgulho — sem culpa.
Esses passos simples são o início de um novo condicionamento cognitivo: o de reconhecer o positivo como parte real da vida.
A desqualificação do positivo é um vício de percepção, uma lente que distorce a experiência até o mundo parecer cinza — mesmo quando há cor.
Mas o reconhecimento do próprio valor é uma habilidade que pode ser reaprendida.
Na TCC, trabalhamos exatamente nisso: ensinar a mente a enxergar o que ela própria tenta esconder.
Se você sente que a autocrítica tem sido mais alta do que a voz da autovalidação, talvez seja hora de iniciar esse processo de reestruturação interna.
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Perguntas Frequentes sobre a Desqualificação do Positivo
1. O que significa desqualificação do positivo na psicologia?
É uma distorção cognitiva descrita pela TCC em que a pessoa ignora ou minimiza acontecimentos positivos, reforçando crenças de incapacidade ou desvalor.
2. Por que desqualificar o positivo é tão comum em pessoas com baixa autoestima?
Porque aceitar o positivo contradiz a crença de desvalor. A mente rejeita o que ameaça essa coerência negativa.
3. Como parar de desqualificar o positivo na prática?
Usando técnicas da TCC como registros de pensamento, questionamento socrático, reformulação positiva e treino de autocompaixão.
4. A desqualificação do positivo está ligada à depressão?
Sim. É frequente em quadros depressivos, pois o cérebro filtra o positivo e mantém a atenção focada em falhas e perdas.
5. Como um psicólogo pode ajudar a superar a desqualificação do positivo?
O psicólogo cognitivo-comportamental ajuda o paciente a identificar o padrão, desafiar crenças centrais e construir novos esquemas de merecimento e valor pessoal.
                    
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                DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
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