Muitos pacientes chegam à psicoterapia com sintomas clássicos de ansiedade, depressão ou transtornos de personalidade. No entanto, ao aprofundarmos o processo terapêutico, percebemos que há uma emoção silenciosa, crônica e paralisante por trás de muitos desses quadros: a vergonha.

Mais do que um sentimento passageiro, a vergonha pode se tornar um esquema de autoimagem negativa que molda comportamentos, crenças e relações interpessoais. É nesse contexto que a Psicoterapia Baseada em Compaixão (CFT – Compassion Focused Therapy) surge como uma abordagem inovadora e profundamente eficaz.

Criada por Paul Gilbert, a CFT integra conhecimentos da psicologia evolucionista, neurociência, Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), práticas contemplativas e da psicologia do desenvolvimento para tratar pacientes dominados por autocrítica severa, sentimentos de inadequação e profundo medo de julgamento.

Vergonha: um sistema emocional que adoece

A vergonha não é apenas um sentimento de embaraço. Trata-se de um sistema emocional complexo que envolve:

• Autojulgamento negativo extremo.
• Medo de exposição e rejeição.
• Comparações constantes com os outros.
• Desejo de desaparecer, esconder-se ou evitar contato social.

Do ponto de vista evolutivo, a vergonha está associada à ameaça de exclusão do grupo, o que poderia significar risco de sobrevivência. Em contextos modernos, esse sistema pode se tornar hiperativo, levando o indivíduo a desenvolver:

• Ansiedade social e fobia.
• Depressão refratária.
• Transtorno de personalidade evitativa.
• Transtorno obsessivo-compulsivo (especialmente com ruminação moral).
• Autolesão ou comportamentos autodepreciativos.

Muitos pacientes com vergonha internalizada têm grande dificuldade de se beneficiar de intervenções racionais, como a reestruturação cognitiva tradicional da TCC. É nesse ponto que a compreensão neuroafetiva e compassiva da CFT faz a diferença.

O modelo dos 3 sistemas reguladores de afeto da CFT

A CFT propõe que nossas emoções são reguladas por três sistemas neuroafetivos interativos:

1. Sistema de ameaça e proteção

• Baseado em medo, raiva, ansiedade.
• Domina quadros de vergonha e autocrítica
• Regulado pela amígdala e eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA).

2. Sistema de busca e excitação

• Relacionado a conquista, dopamina, prazer momentâneo.
• Presente em busca de performance e aprovação externa.

3. Sistema de cuidado e afiliação (compaixão)

• Associado à segurança, conexão e tranquilidade.
• Ativado por práticas de autocuidado e acolhimento emocional.
• Relacionado à oxitocina e endorfinas.

Pessoas dominadas pela vergonha costumam ter o sistema de ameaça hiperativado e o sistema de afiliação subdesenvolvido. A CFT visa restaurar o equilíbrio emocional, promovendo a ativação consciente do sistema de compaixão.

Benefícios da Psicoterapia Baseada em Compaixão (CFT)

A CFT é especialmente indicada para indivíduos com:

• Vergonha internalizada crônica.
• Autocrítica severa e pensamentos autodepreciativos.
• Histórico de negligência emocional ou abuso.
• Dificuldade em se beneficiar de abordagens tradicionais.
• Quadros depressivos resistentes ou transtornos de personalidade.

Principais benefícios clínicos:

• Redução da autocrítica e aumento da autocompaixão.
• Melhora do afeto positivo e da autoestima relacional.
• Aumento da tolerância à vulnerabilidade e exposição social.
• Reestruturação do senso de identidade com base em valores e aceitação.
• Diminuição do medo do julgamento e da rejeição.

Tratamento com CFT: Como funciona na prática clínica

A intervenção em CFT segue fases estruturadas e integradas, sempre com foco na psicoeducação, prática experiencial e construção de uma mente compassiva:

Psicoeducação sobre os sistemas emocionais

O paciente aprende sobre os três sistemas de regulação afetiva, entendendo que sua vergonha não é “fraqueza”, mas uma resposta aprendida diante da ameaça emocional.

Mapeamento da voz crítica interna

A vergonha frequentemente se manifesta como uma voz interna julgadora. A CFT ajuda a identificar essa voz e compreender sua função protetiva (embora disfuncional).

Desenvolvimento do Eu Compassivo

Por meio de práticas de visualização, respiração reguladora, postura corporal e linguagem compassiva, o paciente constrói um modo compassivo de se relacionar consigo mesmo.

Exercícios de compaixão ativa

Incluem meditações guiadas, cartas para o eu sofrido, reescrita de narrativas de vida e encenação de conflitos internos com perspectiva compassiva.

Exposição compassiva à vergonha

Ao contrário da evitação, a CFT promove exposição gradual às situações que evocam vergonha, mas com acolhimento emocional e suporte compassivo, permitindo ressignificação.

Você merece um olhar mais compassivo sobre sua dor

Se você se sente constantemente inadequado, carrega uma vergonha que não consegue explicar ou se trata com dureza e julgamento, saiba que isso pode ser transformado. A Psicoterapia Baseada em Compaixão pode ajudar a construir um espaço interno de acolhimento e cuidado, onde você aprende a se relacionar consigo mesmo de forma mais gentil, segura e curativa.

Agende sua consulta com um psicólogo especializado em TCC e inicie uma jornada profunda de reconexão com sua humanidade. Sua dor não define quem você é.

A Psicoterapia Baseada em Compaixão é mais do que uma técnica: é uma forma profunda de reorganizar a mente e o coração frente à dor emocional. Quando a vergonha se torna o centro do sofrimento, abordagens racionais podem falhar, pois a linguagem do cérebro ameaçado é o medo, não a lógica.

A CFT responde a isso com empatia, neurociência e transformação relacional. Cultivar compaixão por si mesmo não é um ato de fraqueza — é um movimento de coragem. E é por esse caminho que a cura começa.

Perguntas Frequentes sobre a CFT e a Vergonha (TCC)

1. O que diferencia a CFT da TCC tradicional?

A TCC tradicional foca em identificar e modificar pensamentos disfuncionais. A CFT vai além, trabalhando os sistemas emocionais que mantêm a autocrítica, com foco na ativação de compaixão e segurança emocional.

2. A CFT é indicada para todos os pacientes?

É especialmente indicada para pessoas com alta autocrítica, vergonha tóxica, traumas relacionais e dificuldade de aceitação emocional. Pode ser usada isoladamente ou integrada à TCC.

3. Qual a duração do tratamento com CFT?

Depende da complexidade do quadro, mas geralmente entre 16 e 32 sessões estruturadas, com acompanhamento contínuo das práticas de compaixão entre sessões.

4. É possível praticar compaixão mesmo se eu não sentir nada positivo por mim?

Sim. A CFT reconhece essa dificuldade inicial como parte do processo. A prática começa mesmo com resistência, e o afeto compassivo é desenvolvido gradualmente, como um músculo emocional.

5. Como saber se minha vergonha é clínica e precisa de terapia?

Se a vergonha interfere na sua vida social, profissional ou emocional, se gera sofrimento intenso, culpa constante ou sensação de inutilidade, é altamente recomendável buscar ajuda psicológica especializada.