Nos últimos anos, tem crescido a preocupação com os chamados transtornos do exagero, que englobam não apenas a dependência química, mas também comportamentos compulsivos como jogo patológico, compulsão alimentar, compras impulsivas e dependência da internet. Essas condições compartilham um mecanismo comum: o desequilíbrio entre a busca por prazer e o impacto negativo que essa busca pode gerar na vida do indivíduo.
O prazer e o prejuízo no comportamento aditivo
O uso de substâncias psicoativas ou a repetição compulsiva de um comportamento pode inicialmente gerar prazer e alívio emocional. No entanto, com o tempo, o indivíduo se vê preso em um ciclo de reforço, onde o comportamento deixa de ser uma escolha e passa a ser uma necessidade. Esse processo é impulsionado por mudanças neurobiológicas, principalmente no sistema de recompensa do cérebro, que envolve estruturas como o Núcleo Accumbens e a Área Tegmentar Ventral.
Inicialmente, o comportamento aditivo é reforçado positivamente: a pessoa sente euforia ou alívio. No entanto, com o aumento da tolerância, a mesma quantidade de substância ou a mesma atividade já não gera o mesmo efeito. Assim, o indivíduo passa a precisar de doses maiores ou mais tempo envolvido no comportamento para obter prazer. Com o tempo, o comportamento deixa de ser realizado pela busca de prazer e passa a ser motivado pela necessidade de evitar o sofrimento – como sintomas de abstinência e ansiedade.
Transtornos por Uso de Substâncias: Critérios e Diagnóstico
Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o transtorno por uso de substâncias é caracterizado por um padrão mal adaptativo de consumo, levando a sofrimento e prejuízo significativo. Para ser diagnosticado, o indivíduo deve apresentar pelo menos dois dos onze critérios dentro de um período de 12 meses, incluindo:
• Uso em quantidades maiores ou por mais tempo do que o planejado.
• Tentativas frustradas de reduzir ou controlar o consumo.
• Fissura (desejo intenso de usar a substância).
• Impacto negativo na vida pessoal, profissional ou acadêmica.
• Persistência no consumo apesar das consequências negativas.
• Desenvolvimento de tolerância e sintomas de abstinência.
A gravidade do transtorno é classificada como leve, moderada ou grave, dependendo do número de critérios preenchidos.
Além das substâncias químicas, o DSM-5 reconhece o transtorno do jogo como um transtorno aditivo, seguindo critérios semelhantes ao transtorno por uso de substâncias. Outros comportamentos compulsivos, como o uso problemático da internet, compras compulsivas e compulsão alimentar, também compartilham características semelhantes, apesar de não estarem formalmente classificados como transtornos por dependência no DSM-5.
A influência Biopsicossocial na dependência
A etiologia dos transtornos aditivos é multifatorial, envolvendo:
• Fatores biológicos: Estudos indicam a influência genética, especialmente dos genes DRD2 e DRD4, relacionados à dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer.
• Fatores psicológicos: Muitos indivíduos utilizam substâncias ou comportamentos compulsivos para aliviar emoções negativas, como ansiedade e depressão.
• Fatores sociais: A influência do ambiente, amigos e eventos estressores (como crises econômicas e pandemias) pode aumentar o risco de desenvolver comportamentos aditivos.
Tratamento: o papel da motivação e da terapia
A abordagem terapêutica precisa considerar o estágio motivacional do paciente. Segundo o modelo de Prochaska e DiClemente, a motivação para a mudança ocorre em estágios:
1. Pré-contemplação – o indivíduo não reconhece o problema
2. Contemplação – percebe a necessidade de mudança, mas está ambivalente
3. Preparação – decide buscar tratamento
4. Ação – começa o processo de mudança
5. Manutenção – trabalha para evitar recaídas
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado uma das abordagens mais eficazes, pois trabalha as crenças disfuncionais relacionadas ao uso da substância ou comportamento aditivo, ensina estratégias de enfrentamento e auxilia na prevenção de recaídas.
Internação vs. tratamento ambulatorial
Dependendo do grau de dependência e do risco associado, o tratamento pode ser:
• Internação: Indicada para pacientes em risco de vida ou com dificuldades graves na desintoxicação. O tempo médio de internação é de três semanas.
• Tratamento ambulatorial: O paciente participa de sessões semanais de terapia e grupos de apoio.
Além disso, grupos de autoajuda, como os 12 passos de Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA), oferecem suporte social fundamental no processo de recuperação.
Abstinência vs. redução de danos
Embora a abstinência total seja o objetivo ideal para muitos dependentes, nem sempre é uma meta viável no início do tratamento. Em alguns casos, adota-se a abordagem de redução de danos, que busca minimizar os riscos e prejuízos associados ao uso, enquanto se trabalha a motivação para a mudança.
A dependência química e os transtornos do exagero são condições complexas, influenciadas por fatores biológicos, psicológicos e sociais. O tratamento deve ser individualizado e considerar a motivação do paciente, evitando abordagens confrontacionais que podem gerar resistência. Com um suporte adequado, estratégias terapêuticas eficazes e um ambiente de apoio, a recuperação é possível.
Se você ou alguém que conhece enfrenta dificuldades com o uso de substâncias ou comportamentos compulsivos, busque ajuda profissional. O primeiro passo para a mudança começa com a decisão de procurar apoio.
DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
Atendimentos Psicológicos On-line e Presenciais para pacientes no Brasil e no exterior.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Hipnoterapia.
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