O suicídio é uma questão de saúde pública que demanda atenção e conhecimento especializado. O manejo do risco suicida envolve compreensão dos fatores de risco, avaliação adequada e aplicação de estratégias de intervenção eficazes. A psicologia oferece importantes contribuições, baseadas em evidências, para a prevenção e o tratamento desse comportamento complexo.
Comportamento suicida e automutilação: a Metáfora da Estrada
Diferenciar o comportamento suicida da automutilação é fundamental. A automutilação sem intenção suicida, conhecida como CASIS (Comportamento Automutilante Sem Ideação Suicida), pode ser entendida através da metáfora da estrada: imagine uma pessoa que sai do ponto A e deseja chegar ao ponto B, onde encontra alívio temporário através da dor física. No entanto, com o tempo, a repetição desse trajeto pode levá-la ao ponto C, o suicídio, mesmo sem essa intenção inicial. O objetivo terapêutico, portanto, é modificar esse trajeto, ajudando o paciente a encontrar outras formas de lidar com a dor emocional sem recorrer à autolesão.
Uma estratégia prática para ajudar em momentos de crise emocional é o uso de estímulos físicos alternativos, como segurar gelo. Isso pode proporcionar um alívio sensorial sem causar danos ao corpo, reduzindo o risco de progressão para o comportamento suicida.
Validação emocional e apoio adequado
Um erro comum cometido por familiares e amigos ao lidar com pessoas em sofrimento emocional é a invalidação. Frases como “Você precisa ser forte” ou “Isso não é motivo para se sentir assim” podem reforçar o sentimento de isolamento e incompreensão. A validação emocional, por outro lado, envolve reconhecer o sofrimento do outro sem necessariamente concordar com seus comportamentos.
Por exemplo, se uma paciente com Transtorno de Personalidade Borderline danifica o carro do ex-namorado por frustração, um terapeuta pode validar o sentimento de raiva sem validar o comportamento destrutivo. Essa abordagem auxilia a paciente a reconhecer suas emoções e encontrar alternativas mais saudáveis para expressá-las.
O Efeito Werther e a influência da mídia
A forma como o suicídio é retratado na mídia pode influenciar diretamente o comportamento das pessoas em risco. O chamado Efeito Werther descreve o aumento de casos de suicídio após a divulgação de casos semelhantes, especialmente quando envolvem figuras públicas ou são apresentados de maneira romantizada.
Estudos mostram que notícias sobre suicídios de celebridades podem aumentar em até 14 vezes o risco de novos casos. Além disso, o tempo e o tipo de exposição midiática influenciam esse efeito: conteúdos televisivos têm maior impacto do que jornais, por exemplo.
Para minimizar esse risco, é essencial que a mídia siga recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), evitando detalhes explícitos sobre o método utilizado e oferecendo informações sobre prevenção e busca de ajuda.
Comportamento suicida e ciclo de ameaça
Existe um mito de que “quem quer se matar não avisa”, o que pode levar à descrença e negligência dos sinais de alerta. No entanto, muitas pessoas verbalizam sua intenção suicida como um pedido de ajuda, e ignorar essas manifestações pode aumentar o risco real de suicídio.
Esse ciclo pode ser quebrado ao ajudar a pessoa a perceber suas necessidades emocionais e encontrar formas mais eficazes de obtê-las sem recorrer a ameaças suicidas. Durante uma crise, o ideal é oferecer suporte e proteção no momento imediato e reforçar o vínculo afetivo posteriormente, evitando uma associação direta entre a ameaça e a obtenção de atenção.
Terapias baseadas em evidências
Diferentes abordagens terapêuticas têm mostrado eficácia na redução do risco suicida. Estudos indicam que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) combinada com medicação pode reduzir novas tentativas de suicídio em até 80%. Além disso, a Terapia Comportamental Dialética (TCD) tem se mostrado eficaz para pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline, reduzindo a impulsividade e promovendo maior regulação emocional.
A pesquisa também sugere que intervenções psicológicas não apenas melhoram o bem-estar emocional, mas podem gerar mudanças no funcionamento cerebral, além das promovidas pela medicação.
Fatores de risco e proteção
O risco de suicídio é influenciado por fatores demográficos, diagnósticos, históricos e psicológicos. Alguns dos principais fatores de risco incluem:
• Demográficos: homens, idosos ou jovens entre 15 e 29 anos, isolamento social, desemprego e dificuldades financeiras.
• Médicos e psiquiátricos: transtornos de humor, abuso de substâncias, transtorno de personalidade Borderline e histórico de tentativas prévias.
• Psicológicos: desesperança, impulsividade, perfeccionismo, baixa tolerância à frustração e sensação de ser um fardo para os outros.
Por outro lado, fatores protetivos podem reduzir esse risco, como:
• Rede de apoio (família, amigos, grupos comunitários).
• Sentido de vida e crenças morais ou religiosas.
• Relação terapêutica positiva e acesso a tratamento psicológico.
Manejo do risco e plano de segurança
O manejo clínico do suicídio envolve avaliação detalhada e um plano de segurança estruturado. Esse plano inclui:
1. Reconhecimento de sinais de alerta (pensamentos recorrentes, isolamento, comportamentos de risco).
2. Desafiar crenças de desesperança, ajudando o paciente a perceber que a aflição é temporária.
3. Ativar memórias ou perspectivas futuras positivas, como eventos significativos que a pessoa deseja viver.
4. Listar razões para viver e refletir sobre os impactos do suicídio para si e para os outros.
5. Implementar estratégias de enfrentamento (práticas de relaxamento, atividades prazerosas, exercícios físicos).
6. Buscar apoio social, interagindo com amigos ou familiares para reduzir o isolamento.
7. Contatar profissionais em momentos de crise (psicólogos, psiquiatras, serviços de emergência).
O Papel dos Familiares e da Rede de Apoio
O envolvimento da família e dos amigos é essencial na prevenção do suicídio. Além de oferecer suporte emocional, eles podem auxiliar na redução de fatores de risco, como a restrição ao acesso de meios letais.
O diálogo aberto, sem julgamentos, é fundamental. Perguntas como “Você já quis dormir e não acordar mais?” ou “O que aumentaria o risco para você?” podem ajudar na identificação precoce de crises suicidas.
O suicídio é um fenômeno multifatorial que exige uma abordagem complexa e sensível. O conhecimento sobre os fatores de risco e a aplicação de intervenções baseadas em evidências são essenciais para prevenir novas tentativas e salvar vidas.
A escuta ativa, a validação emocional e a implementação de um plano de segurança estruturado são ferramentas fundamentais para auxiliar pessoas em sofrimento. E, acima de tudo, lembrar que o suporte social e terapêutico pode ser um divisor de águas na trajetória de alguém que enfrenta pensamentos suicidas.
Se você ou alguém que conhece precisa de ajuda, não hesite em buscar apoio profissional. Você não está sozinho.
DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
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