Há mitos que sobreviveram ao tempo porque falam diretamente sobre a condição humana — e o mito de Sísifo é um dos mais poderosos. Condenado pelos deuses a empurrar uma pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar novamente para o vale, Sísifo se tornou um símbolo universal do esforço sem fim e da busca incessante por significado.
Como psicólogo, muitas vezes vejo esse mito se repetir silenciosamente na vida das pessoas. Pacientes que descrevem o cansaço de acordar todos os dias para enfrentar as mesmas dores emocionais, os mesmos padrões, as mesmas responsabilidades — e, ainda assim, sentirem que não saem do lugar.
Essas narrativas, embora contemporâneas, ecoam o dilema de Sísifo: como encontrar sentido em um mundo que tantas vezes parece absurdo?
Neste artigo, quero conduzi-lo(a) por uma reflexão que une mitologia, filosofia, neurociência e psicologia clínica. Vamos entender o que o mito de Sísifo revela sobre o sofrimento humano, e como ele pode inspirar novas formas de viver com propósito, aceitação e resiliência — mesmo diante do inevitável.
O Mito de Sísifo e o símbolo do esforço humano
Na mitologia grega, Sísifo era um homem astuto que desafiou os deuses ao tentar enganar a própria morte. Como punição, foi condenado a uma tarefa eterna: empurrar uma imensa pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar novamente ao chão sempre que se aproximava do topo.
O mito, interpretado por Albert Camus em sua famosa obra O Mito de Sísifo (1942), é uma metáfora da condição humana diante do absurdo: somos lançados à vida sem garantias de sentido, mas ainda assim continuamos a subir a montanha.
Camus termina sua análise com uma frase provocadora:
“Devemos imaginar Sísifo feliz.”
Por mais paradoxal que pareça, há algo profundamente libertador nessa afirmação.
O sofrimento não desaparece, mas se transforma na medida em que o indivíduo aceita sua condição e encontra sentido no próprio ato de viver.
O Mito de Sísifo sob a lente da Psicologia Clínica
A psicologia contemporânea — especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a Psicologia Existencial e a Neurociência das Emoções — oferece perspectivas valiosas para compreender o mito como um reflexo da mente humana.
A repetição e o ciclo do sofrimento
Em clínica, vejo frequentemente pessoas presas em padrões repetitivos: relacionamentos que se repetem, autocobranças incessantes, o mesmo tipo de fracasso que retorna disfarçado.
Esse movimento cíclico lembra o empurrar da pedra.
Na TCC, chamamos isso de ruminação cognitiva — o hábito de revisitar pensamentos e emoções negativas, acreditando que isso trará soluções, quando na verdade reforça o sofrimento.
A mente, tentando resolver o que não pode ser controlado, cria o próprio aprisionamento.
Na Neurociência, esse ciclo está associado à ativação contínua do circuito da dor e da recompensa: cada tentativa de “empurrar a pedra” ativa áreas cerebrais de frustração, e o alívio temporário de pausas momentâneas reforça o comportamento.
Assim, a mente aprende a sofrer em loop.
“Em uma das minhas pacientes, o padrão era a autossabotagem. Ela dizia: ‘sempre volto ao mesmo ponto’. Quando comentei sobre o mito de Sísifo, ela percebeu que empurrava a mesma pedra — o medo de falhar — todos os dias, sem perceber que o sentido da subida poderia ser outro.”
O peso da pedra e as crenças centrais
Na TCC, falamos de crenças centrais — ideias profundas sobre si mesmo, o mundo e o futuro, formadas muitas vezes na infância.
Crenças como “sou incapaz”, “nada dá certo pra mim”, “não mereço descanso” tornam-se as pedras invisíveis que carregamos.
Quanto mais essas crenças se repetem, mais elas moldam nossa percepção da realidade, criando uma sensação de destino inevitável.
Psicologicamente, o castigo de Sísifo simboliza a prisão interna das crenças desadaptativas, que fazem a pessoa confundir persistência com punição.
O absurdo e o sentido: Entre Camus e Frankl
Para Albert Camus, o absurdo nasce do conflito entre o desejo humano de sentido e o silêncio indiferente do mundo.
Para Viktor Frankl, psiquiatra e criador da Logoterapia, o sofrimento pode se tornar fonte de significado, quando a pessoa escolhe como responder a ele.
Na prática clínica, percebo que muitos pacientes chegam à terapia com perguntas semelhantes às de Camus e Frankl:
“Por que continuar?”
“Qual o sentido disso tudo?”
E é justamente nesse ponto que o mito de Sísifo deixa de ser uma punição e se torna um espelho da liberdade humana: o poder de atribuir sentido à própria jornada, mesmo quando o topo da montanha nunca é alcançado.
Resiliência, aceitação e o paradoxo da liberdade
As abordagens mais recentes, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), mostram que a tentativa de eliminar a dor é o que mais nos aprisiona.
A verdadeira liberdade emocional surge quando paramos de lutar contra o inevitável e escolhemos agir com base em nossos valores.
“Lembro-me de um paciente que lutava contra um diagnóstico crônico de saúde mental. Ele dizia: ‘Quero me livrar disso’. Aos poucos, compreendeu que talvez a pedra não pudesse ser eliminada — mas podia ser carregada de outra forma, com mais leveza, com propósito.”
Aceitar não é desistir — é mudar a relação com o sofrimento, em vez de tentar bani-lo.
Essa é a grande lição psicológica de Sísifo.
O mito de Sísifo e a vida moderna: Lições práticas
O mito não pertence apenas à filosofia. Ele está presente no cotidiano — na exaustão emocional, no perfeccionismo, na rotina sem prazer, nas expectativas que nunca se cumprem.
Mas também é um convite à transformação.
Abaixo, apresento reflexões práticas e psicológicas que podem ajudá-lo(a) a reencontrar sentido na subida da sua própria montanha.
1. Transforme a rotina em significado
Grande parte do sofrimento contemporâneo está na falta de propósito percebido.
Muitas pessoas não odeiam o que fazem — odeiam não entender por que fazem.
Na terapia, costumo propor um exercício simples: pergunte-se diariamente “Para quê?”, em vez de “Por quê?”.
Enquanto o “por quê” olha para o passado, o “para quê” projeta sentido no presente.
O cérebro responde a essa mudança linguística com ativação de redes de motivação e recompensa, reduzindo a sensação de vazio.
2. Pare de lutar contra o inevitável
Algumas pedras não podem ser evitadas: o tempo, a perda, a imperfeição, a finitude. Mas podemos escolher como nos relacionar com elas.
A aceitação radical, conceito da ACT, propõe abandonar a resistência emocional ao que não se pode mudar, preservando energia para o que é realmente importante.
É um ato de coragem psicológica — a mesma coragem de Sísifo, que sobe mesmo sabendo o desfecho.
“Uma vez, uma paciente que vivia em luto me disse: ‘Não consigo superar’. Respondi: ‘Talvez não precise superar — apenas aprender a conviver’. Essa pequena mudança cognitiva transformou a forma como ela lidava com o sofrimento.”
3. Atenção plena no processo
A metáfora da subida pode ser reinterpretada pela prática do mindfulness: estar presente no ato de empurrar a pedra, observando pensamentos e emoções sem julgamento.
Quando paramos de esperar o topo, começamos a perceber as nuances da subida — o som do vento, a textura da pedra, a força dos próprios músculos.
É o mesmo que ocorre na terapia quando o paciente aprende a observar suas emoções em vez de reagir a elas.
Neurocientificamente, a prática de atenção plena reduz a atividade da amígdala, estrutura envolvida na resposta ao estresse, e aumenta a conectividade pré-frontal, associada ao controle emocional.
4. O sentido como antídoto ao absurdo
Viktor Frankl dizia:
“Quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”
A psicoterapia não promete eliminar o sofrimento, mas pode transformá-lo em direção e crescimento.
Quando o paciente identifica seus valores — aquilo que realmente importa —, o sofrimento se torna consequência do compromisso com o essencial, não um castigo.
Assim, a pedra deixa de ser inimiga e se torna símbolo de propósito.
“Em momentos da minha própria vida, também me senti empurrando pedras. Mas percebi que, ao aceitar o peso e observar o processo, o esforço começou a fazer sentido. Essa é a beleza paradoxal da existência: encontrar liberdade dentro do inevitável.”
O que o Mito de Sísifo pode ensinar sobre você mesmo
Todos carregamos pedras. Algumas são visíveis — contas, responsabilidades, doenças, perdas. Outras, invisíveis — culpa, medo, autocobrança.
O mito nos convida a olhar para o esforço não como condenação, mas como oportunidade de autoconhecimento e transformação.
Cada vez que a pedra rola de volta, temos a chance de escolher novamente: desistir, repetir ou reinventar o sentido da subida.
A terapia é o espaço onde essa reinvenção acontece.
Quando o paciente compreende que o sofrimento pode conter uma mensagem — e não apenas dor —, ele deixa de ser refém e passa a ser autor da própria história.
Se você sente que está empurrando a mesma pedra todos os dias, talvez não precise abandoná-la. Talvez precise olhar para ela de outro modo.
O sentido está no movimento
A tragédia de Sísifo não é a repetição — é o esquecimento do porquê.
Quando lembramos o propósito, o peso muda. A montanha deixa de ser punição e passa a ser caminho.
A psicologia, ao integrar ciência e simbolismo, nos ensina que viver é um ato de coragem cognitiva: escolher ver sentido onde o absurdo insiste em aparecer.
Se você sente que tem vivido como Sísifo — repetindo ciclos, cansado de empurrar pedras invisíveis —, saiba que o sentido não está no topo, mas na consciência de cada passo.
A terapia pode ajudá-lo(a) a compreender o significado do seu esforço e reconstruir o sentido da sua jornada.
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Perguntas Frequentes sobre o Mito de Sísifo e a Psicologia Analítica
1. Qual é o significado psicológico do mito de Sísifo?
O mito simboliza o esforço humano diante do sofrimento inevitável. Psicologicamente, representa a repetição de padrões e a busca por sentido mesmo em tarefas aparentemente sem propósito.
2. Como o mito de Sísifo se relaciona com a Psicologia Existencial?
A Psicologia Existencial interpreta o mito como metáfora da liberdade humana: mesmo diante do absurdo, o indivíduo pode escolher como reagir e criar significado para sua experiência.
3. O mito de Sísifo tem relação com a depressão?
Sim. A sensação de empurrar uma pedra sem propósito reflete o vazio existencial e a desesperança, sintomas comuns da depressão. A psicoterapia ajuda a reconstruir o sentido e restaurar o engajamento com a vida.
4. Como aplicar o mito de Sísifo no autoconhecimento?
Você pode refletir sobre quais pedras tem empurrado e se elas realmente representam seus valores. Essa consciência ajuda a distinguir o sofrimento inevitável do sofrimento desnecessário.
5. O que a Terapia Cognitivo-Comportamental pode aprender com o Mito de Sísifo?
A TCC ensina a desafiar pensamentos automáticos e encontrar sentido nas ações cotidianas. Assim como Sísifo, o paciente aprende a lidar com o esforço inevitável sem perder o propósito.
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DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
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