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Guia Completo de Psicologia para Tratamento de Adultos Sobreviventes de Abuso Sexual Infantil: Estratégias e Protocolos

Artigo Publicado: 20/08/2025
Por Osvaldo Marchesi Junior, Psicólogo | CRP 06/186.890 – Terapia Cognitivo-Comportamental

Guia Completo de Psicologia para Tratamento de Adultos Sobreviventes de Abuso Sexual Infantil - Psicólogo Osvaldo Marchesi Junior - NeuroFlux Psicologia Direcionada

O abuso sexual na infância deixa marcas que se estendem para muito além do evento traumático: reorganiza crenças centrais, distorce a percepção do próprio corpo e pode interromper a formação de identidade. Na vida adulta, muitas pessoas sobreviventes convivem com TEPT/TEPT-C (trauma complexo), dissociação, depressão, ansiedade, dificuldades de intimidade, revitimização e, não raro, uma desconexão profunda do self — a sensação de “não saber quem sou ou do que gosto” e a dependência de que outros decidam por elas. Este guia definitivo foi escrito para profissionais de saúde mental e também para sobreviventes e familiares que buscam um caminho estruturado, ético e baseado em evidências para o tratamento.

O eixo deste artigo é o modelo em fases (Herman; Cloitre; ISTSS), hoje amplamente recomendado para traumas complexos:

1. Estabilização e segurança (regulação emocional, grounding somático, psicoeducação, fortalecimento de rede de apoio);
2. Processamento do trauma (com TCC focada no trauma/CT-PTSD, EMDR e recursos de Terapia do Esquema e DBT quando necessários);
3. Integração e reconstrução (identidade, autoestima, sexualidade segura, prevenção de recaídas).

Essa sequência organiza o percurso terapêutico e reduz o risco de retraumatização, sobretudo quando há desligamento/dissociação como estratégia de sobrevivência construída na infância.

Ao longo do texto, você encontrará:

• Roteiro clínico passo a passo, com objetivos, técnicas e tarefas entre sessões;
• Mapas de crenças disfuncionais frequentes em sobreviventes (culpa, vergonha, desvalor, desconfiança) e seus antídotos cognitivos e experienci­­ais;
• Protocolos de estabilização para pacientes desconectados do próprio corpo e das preferências (diário de preferências, treino de escolhas graduais, trabalho com partes, mindfulness interoceptivo, imagética de lugar seguro);
• Estratégias de processamento com TF-CBT/CT-PTSD (exposição narrativa e reestruturação) e EMDR (seleção de alvos, dessensibilização, instalação de crenças positivas);
• Planos de integração (reconstrução do self, habilidades de intimidade e assertividade, prevenção de recaídas, projeto de vida);
• Critérios de progresso e monitoramento de segurança (incluindo avaliação de risco, comorbidades e uso adjuvante de farmacoterapia quando indicado).

Este guia adota linguagem clara sem abrir mão da densidade técnica e da praticidade clínica. Sempre que possível, articula psicoterapia baseada em evidências (TCC focada no trauma, EMDR, Terapia do Esquema, DBT adaptada ao trauma) com recursos psicoeducativos e exercícios estruturados, porque a combinação melhora adesão e generalização. Darei atenção especial ao fenômeno frequentemente negligenciado na clínica: a desconexão de si. Quando a dissociação precoce impede o desenvolvimento de um senso de agência, o tratamento precisa, antes de tudo, reaprender escolhas: do micro (que música ouvir por 60 segundos) ao macro (definir limites e preferências em relações). Sem essa base, o processamento direto do trauma tende a ser prematuro.

Embora traga conteúdos úteis para leigos, este texto não substitui psicoterapia. O objetivo é oferecer um manual navegável para orientar tomada de decisão clínica, apoiar supervisão e ampliar o repertório de intervenções com segurança, previsibilidade e mensuração de resultados. Ao final, você terá um plano completo para conduzir casos de abuso sexual infantil na vida adulta, do primeiro contato à alta, com ferramentas replicáveis e adaptáveis à realidade de cada paciente.

Entendendo o impacto do abuso sexual na infância

O abuso sexual infantil não é apenas um episódio traumático isolado. Ele funciona como uma experiência adversa de desenvolvimento, capaz de moldar profundamente o cérebro, a identidade e a forma como a pessoa se relaciona com o mundo. As consequências variam em intensidade, mas estudos mostram que quanto mais precoce e prolongado o abuso, maior o risco de trauma complexo e de alterações persistentes no funcionamento psíquico, relacional e neurobiológico.

Alterações no desenvolvimento cerebral

Pesquisas em neurociência do trauma revelam que o abuso sexual na infância pode provocar mudanças estruturais e funcionais no cérebro, especialmente em áreas ligadas ao processamento de emoções, memória e autorregulação:

• Amígdala hiperativada: responsável pela detecção de perigo, torna-se cronicamente alerta. Isso explica a hipervigilância, os flashbacks e a reatividade emocional exacerbada.
• Hipocampo reduzido: estrutura ligada à memória autobiográfica e à diferenciação entre passado e presente. Sua redução de volume em sobreviventes está associada a memórias fragmentadas, confusão temporal e maior vulnerabilidade a TEPT.
• Córtex pré-frontal hipoativado: região relacionada à regulação de impulsos e ao pensamento racional. A hipoatividade dificulta inibir respostas de medo, aumenta impulsividade e reduz a capacidade de autorregulação emocional.

Essas alterações neurobiológicas fazem com que a experiência do abuso não seja apenas “lembrada”, mas revivida no corpo e na mente, mesmo décadas depois.

Trauma de desenvolvimento e ruptura da identidade

Quando o abuso ocorre em fases precoces da vida, a criança não tem recursos cognitivos ou emocionais para compreender o que está acontecendo. Para sobreviver, muitas vezes precisa se desconectar de si mesma — dissociando emoções, corpo e consciência.
Esse processo de desligamento, útil na infância, cristaliza-se como um bloqueio no desenvolvimento da identidade. Adultos que passaram por essa experiência frequentemente relatam:

• Não saber quem são.
• Dificuldade de perceber o que gostam ou desejam.
• Dependência excessiva de que outros escolham por eles.
• Sensação de vazio ou inexistência.

Esse fenômeno, descrito por autores como Judith Herman e Janina Fisher, caracteriza o trauma de desenvolvimento: quando a experiência traumática acontece no mesmo período em que a identidade, o apego e a autonomia deveriam estar se formando.

Sintomas mais frequentes na vida adulta

As sequelas do abuso sexual na infância se manifestam em múltiplas dimensões da vida adulta, muitas vezes de forma silenciosa, crônica e polissintomática. Entre os sintomas mais comuns estão:

• Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT e TEPT-C): flashbacks, pesadelos, hipervigilância, evitação e sintomas dissociativos.
• Dissociação: episódios de desligamento, lapsos de memória, sensação de “não estar no corpo”.
• Depressão e ansiedade: humor deprimido, desesperança, crises de pânico, ansiedade generalizada.
• Dificuldade de intimidade: medo de proximidade, dificuldade em confiar, sexualidade marcada por vergonha ou anestesia emocional.
• Revitimização: repetição de padrões abusivos em relacionamentos afetivos ou profissionais.
• Transtornos alimentares e abuso de substâncias: tentativas de anestesiar emoções intoleráveis ou recuperar controle sobre o corpo.

Esses sintomas não aparecem isoladamente: costumam interagir, reforçando-se mutuamente e mantendo o ciclo de sofrimento.

O conceito de trauma complexo (TEPT-C)

Nem todo sobrevivente de abuso sexual na infância se enquadra no diagnóstico clássico de TEPT. Muitos apresentam um quadro mais amplo e persistente, que a literatura denomina Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo (TEPT-C), incluído na CID-11.

O TEPT-C descreve os efeitos de traumas crônicos e repetitivos — como abuso sexual infantil — e engloba, além dos sintomas típicos de TEPT:

• Alterações na autorregulação emocional (explosões de raiva, anestesia emocional, automutilação).
• Crenças negativas persistentes sobre si mesmo (“sou sujo(a)”, “não tenho valor”).
• Prejuízos na vida interpessoal (isolamento, medo de intimidade, dificuldade em manter vínculos estáveis).

Compreender o TEPT-C é essencial para guiar o tratamento, pois indica que não basta apenas reduzir flashbacks: é preciso reconstruir identidade, restaurar confiança e trabalhar habilidades de autorregulação.

A desconexão de si: o mecanismo de sobrevivência

Um dos efeitos mais profundos e menos compreendidos do abuso sexual na infância é a desconexão de si mesmo. Esse fenômeno, que aparece na clínica como dissociação, não é sinal de fraqueza ou falha psíquica, mas sim uma estratégia de sobrevivência que a criança desenvolve quando não há escapatória possível.

Dissociação como recurso protetivo

Durante o abuso, a criança experimenta dor, medo e confusão intensos. Como não possui recursos cognitivos ou emocionais para compreender ou se defender, seu sistema nervoso lança mão da dissociação: um mecanismo automático que desliga partes da consciência, das sensações corporais e das emoções.

Esse desligamento cumpre uma função essencial: reduzir o sofrimento imediato. Ao sentir que “não está ali” ou que o que acontece não é real, a criança consegue suportar o insuportável. Assim, a dissociação torna-se um refúgio interno quando o ambiente externo é insuportável.

Consequências a longo prazo

O que salva no momento do trauma, porém, cobra um alto preço na vida adulta. A dissociação cristalizada gera uma desconexão crônica do self, que se manifesta de diferentes formas:

• Vazio existencial: sensação persistente de não existir ou de estar “ocioso por dentro”.
• Dificuldade de saber do que gosta: incapacidade de identificar preferências, desejos e interesses.
• Dependência das escolhas dos outros: tendência a esperar que terceiros decidam, desde detalhes cotidianos até grandes escolhas de vida.
• Perda de agência: dificuldade de assumir papel ativo na própria história, resultando em submissão, passividade e vulnerabilidade a novas situações de abuso ou exploração.

Esse padrão dificulta a construção de relacionamentos saudáveis e impede que o indivíduo desenvolva uma identidade sólida.

Abuso precoce e falta de senso de self

A infância é o período em que a criança deveria estar aprendendo a diferenciar suas vontades, explorar preferências e consolidar um senso de identidade. Quando o abuso ocorre nesse estágio, a criança é forçada a abandonar o próprio corpo e silenciar seus desejos para sobreviver.

O resultado é uma interrupção no processo de individuação: em vez de aprender “eu gosto disso” ou “eu não quero aquilo”, a criança aprende que suas escolhas são irrelevantes ou até perigosas. Na vida adulta, essa história se traduz em dificuldades de autoafirmação, medo de expressar preferências e confusão sobre quem se é de fato.

Evidências de Janina Fisher e Judith Herman

Pesquisadoras como Judith Herman (1992) e Janina Fisher (2017) foram pioneiras em descrever como o trauma precoce reorganiza a experiência subjetiva.

• Herman, em Trauma and Recovery, destaca que a dissociação funciona como um divisor interno, fragmentando a memória, a identidade e a continuidade do eu.

• Fisher, em Healing the Fragmented Selves of Trauma Survivors, aprofunda essa noção ao propor o trabalho clínico com partes dissociadas do self. Segundo ela, a pessoa não apenas esquece ou reprime o trauma, mas passa a viver dividida entre “partes sobreviventes” e “partes traumatizadas”.

Esses estudos evidenciam que a desconexão de si não é apenas sintoma, mas núcleo central do trauma complexo. Para além de tratar memórias traumáticas, a psicoterapia deve promover reconexão progressiva com o self, ajudando o paciente a resgatar preferências, desejos e senso de agência.

Crenças disfuncionais comuns em sobreviventes de abuso sexual infantil

O abuso sexual na infância não deixa apenas marcas emocionais imediatas: ele instala crenças nucleares disfuncionais que passam a funcionar como lentes através das quais a pessoa interpreta a si mesma, os outros e o mundo. Essas crenças são rígidas, absolutas e fortemente carregadas de emoção, tornando-se o alicerce de padrões de sofrimento que se perpetuam na vida adulta.

Categorias de crenças mais frequentes em vítimas de abusos sexuais

• Sobre si mesmo: “Sou culpado(a)”, “Não tenho valor”, “Sou sujo(a) / estragado(a)”, “Não sou digno(a) de amor”.

• Sobre os outros: “Ninguém é confiável”, “Quem se aproxima vai me machucar”, “As pessoas sempre traem ou abandonam”.

• Sobre o mundo: “O mundo é perigoso”, “Não existe segurança em lugar nenhum”, “O poder está sempre com o agressor”.

• Sobre sexualidade e intimidade: “Sexo é sujo”, “Meu corpo não me pertence”, “Intimidade significa dor”, “Não tenho direito de dizer não”.

• Sobre o futuro: “Nunca vou ser feliz”, “Estou condenado(a) a repetir padrões”, “Não consigo construir relacionamentos saudáveis”.

Como essas crenças moldam comportamentos

Essas ideias internalizadas não permanecem apenas no plano cognitivo: elas direcionam comportamentos automáticos que mantêm o ciclo de sofrimento:

• Isolamento social: quando acreditar que “ninguém é confiável” se torna regra, o afastamento parece a única opção segura.
• Submissão e passividade: crenças como “não tenho direito de dizer não” levam a padrões de obediência cega e vulnerabilidade a novos abusos.
• Medo de intimidade: a associação entre proximidade e dor gera dificuldade em formar vínculos afetivos ou sexuais saudáveis.
• Revitimização: a convicção de que “sempre vou ser usado(a)” pode levar, inconscientemente, à repetição de relações abusivas.

Crenças, emoções, manifestações e antídotos cognitivos

Entre os sobreviventes de abuso sexual infantil, as crenças disfuncionais mais comuns podem ser agrupadas em diferentes eixos, cada uma com sua carga emocional, suas consequências clínicas e possíveis caminhos de ressignificação.

Muitos carregam a ideia de que “foi minha culpa”, o que alimenta culpa e vergonha intensas. Essa crença gera autocrítica severa e quadros depressivos, mas pode ser substituída por um antídoto essencial: “a responsabilidade foi do agressor, não da criança”.

Outro núcleo frequente é “não tenho valor”, que se traduz em desespero e desamparo, levando ao isolamento e à baixa autoestima. A correção cognitiva passa por resgatar a noção de que “tenho valor intrínseco, independente do que aconteceu”.

A percepção de ser “sujo(a) ou estragado(a)” gera vergonha e nojo, manifestando-se em evitação de intimidade e até automutilação. O antídoto é reforçar que “o trauma não define minha essência”.

Da mesma forma, a crença “não sou digno(a) de amor” desperta solidão e medo de rejeição, empurrando a pessoa para relacionamentos superficiais ou tóxicos. O caminho terapêutico é cultivar a noção de que “todos merecem amor e respeito, inclusive eu”.

No campo relacional, “ninguém é confiável” está associado a medo e desconfiança, favorecendo isolamento social e ansiedade relacional. O antídoto envolve flexibilizar essa visão para “existem pessoas seguras e confiáveis, e posso aprender a reconhecê-las”.

Já a ideia de que “quem eu amar vai me abandonar” gera ansiedade intensa, ciúmes e comportamentos de autossabotagem. O desafio é internalizar que “relacionamentos saudáveis podem ser estáveis e duradouros”.

No nível mais amplo, “o mundo é perigoso” mantém a pessoa em estado de pânico e hipervigilância, típicos do TEPT, resultando em evitação e ansiedade generalizada. O antídoto aqui é reconhecer que “existem riscos, mas também existem ambientes e pessoas seguras”.

A dissociação corporal costuma estar ligada à crença “meu corpo não me pertence”, acompanhada de alienação e negligência do autocuidado, além de passividade sexual. A reestruturação envolve fortalecer a percepção de que “tenho direito de ocupar e cuidar do meu corpo”.

Em relação à sexualidade, a noção de que “sexo é sujo ou errado” provoca vergonha, culpa e disfunções sexuais. A correção passa pela construção de um olhar positivo: “a sexualidade pode ser saudável, respeitosa e prazerosa”.

A crença “não tenho direito de dizer não” gera medo e submissão, levando à dificuldade de impor limites e à revitimização. A nova perspectiva a ser trabalhada é: “tenho direito de estabelecer limites e eles devem ser respeitados”.

No horizonte de vida, a convicção “nunca vou ser feliz” mantém o indivíduo preso à desesperança, alimentando depressão crônica e ausência de projetos. O antídoto é a crença “a felicidade é possível e pode ser construída passo a passo”.

Por fim, muitos sobreviventes acreditam que “estão condenados a repetir padrões”, o que reforça o fatalismo e a manutenção de relações abusivas recorrentes. O desafio terapêutico é instalar a crença alternativa: “posso aprender a escolher relações diferentes e seguras”.

Protocolos de tratamento baseados em evidências para vítimas de abuso sexual na infância

O tratamento de adultos sobreviventes de abuso sexual na infância deve seguir protocolos baseados em evidências, integrando neurociência do trauma, psicoterapia cognitivo-comportamental e abordagens integrativas para trauma complexo. Entre os modelos mais referenciados estão os protocolos em fases, conforme delineado por Judith Herman (1992), Cloitre (2015) e ISTSS (International Society for Traumatic Stress Studies, 2019).

O modelo em fases organiza o processo terapêutico em três etapas sequenciais: estabilização e segurança, processamento do trauma e integração/reconstrução, permitindo um avanço seguro e minimizando risco de retraumatização.

Fase 1 – Estabilização e segurança

Esta fase tem como objetivo restaurar a sensação de segurança, reduzir sintomas agudos e preparar o paciente para o processamento do trauma. Sobreviventes de abuso infantil precoce frequentemente apresentam hipervigilância, dissociação, flashbacks e insegurança relacional, tornando indispensável a consolidação de uma base segura.

Componentes centrais:

1. Psicoeducação: informar o paciente sobre efeitos do trauma, dissociação, revitimização e padrões de crenças disfuncionais. Explicar que respostas como medo intenso, culpa e dificuldade de escolhas são adaptativas ao trauma infantil.

2. Regulação emocional: treinar habilidades de identificação, nomeação e tolerância de emoções intensas. Técnicas incluem:

• Respiração diafragmática para ativação do sistema parassimpático.
• Mindfulness interoceptivo, focado em perceber sensações corporais sem julgamento.
• Técnicas de grounding para retorno ao presente em episódios dissociativos (ex.: listar cinco objetos no ambiente, sentir contato dos pés no chão).

3. Rede de apoio: fortalecer vínculos seguros (familiares, amigos, grupos de apoio) e criar plano de contingência para crises, promovendo senso de conexão e segurança.

Exercícios práticos recomendados:

• Imaginação de “lugar seguro”: paciente visualiza um espaço protegido, detalhando cores, sons e sensações físicas, como recurso para reduzir ansiedade e flashbacks.
• Escalas de regulação emocional diárias: monitorar intensidade de medo, raiva ou tristeza, registrando estratégias usadas e eficácia percebida.
• Treino de pequenas decisões diárias para reforçar senso de agência: escolha de roupas, alimentação ou atividades simples.

Fase 2 – Processamento do trauma

Após estabilização, inicia-se o processamento seguro das memórias traumáticas, abordando tanto os eventos específicos quanto suas consequências cognitivas, emocionais e comportamentais. O objetivo é dessensibilizar lembranças traumáticas, reestruturar crenças disfuncionais e integrar experiências dissociadas.

Abordagens principais:

1. TF-CBT (Trauma-Focused Cognitive Behavioral Therapy)
• Combina exposição narrativa estruturada com reestruturação cognitiva.
• Paciente revisita memórias traumáticas em narrativa gradual, com suporte do terapeuta para processar emoções sem ativar dissociação extrema.
• Identifica e modifica crenças disfuncionais (ex.: “foi minha culpa”) em crenças adaptativas (“a responsabilidade foi do agressor”).

2. EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing)
• Técnica baseada em estimulação bilateral que facilita dessensibilização e ressignificação de memórias traumáticas.
• Inclui: seleção de alvo traumático, identificação de crença negativa e positiva desejada, avaliação de emoções e sensações corporais, e instalação de crenças adaptativas.
• Particularmente útil para memórias fragmentadas e dissociadas, comuns em abuso precoce.

3. Terapia do Esquema (Schema Therapy)
• Foca nos modos vulneráveis, modos autocríticos e modos protetores desligados.
• Permite reconectar partes dissociadas do self, promovendo reparentalização limitada e fortalecimento da identidade adulta.
• Estratégia essencial quando o paciente apresenta fragmentação do self e baixa autoafirmação.

4. DBT adaptada ao trauma (Dialectical Behavior Therapy)
• Aplicada para sobreviventes com regulação emocional precária, impulsividade ou automutilação.
• Ensina habilidades de:
• Mindfulness para presença no momento presente;
• Tolerância à angústia;
• Regulação emocional e redução de comportamentos autodestrutivos.

Critérios de avanço na fase 2:

• Capacidade de narrar memórias traumáticas com mínima dissociação.
• Redução significativa de flashbacks, pesadelos e ansiedade intensa.
• Identificação e reestruturação de crenças nucleares disfuncionais.
• Desenvolvimento de estratégias eficazes de coping para emoções difíceis.

Fase 3 – Integração e reconstrução

A fase final visa reconstruir identidade, autoestima e capacidade de formar relacionamentos seguros, integrando o aprendizado das fases anteriores à vida cotidiana. É o momento de resgatar a agência, autonomia e senso de self, promovendo mudanças duradouras.

Componentes centrais:

1. Resgate da identidade: exploração de preferências, valores e interesses. Exercícios incluem diário de escolhas, mapa do self e narrativa positiva de vida.

2. Reconstrução da autoestima: práticas de autocompaixão, reconhecimento de conquistas, revisão de crenças negativas sobre si mesmo.

3. Relações seguras e sexualidade saudável: ensino de assertividade, estabelecimento de limites e reintegração de percepção positiva do corpo e sexualidade.

4. Prevenção de recaídas: plano estruturado de manejo de gatilhos, acompanhamento de sintomas residuais, manutenção de rede de apoio e treino contínuo de regulação emocional.

Objetivo da fase 3: transformar sobreviventes em indivíduos capazes de escolhas conscientes, relações seguras e autorregulação emocional consistente, minimizando risco de revitimização e fortalecendo resiliência.

Essa abordagem integrada, estruturada em fases, permite que o tratamento do abuso sexual infantil em adultos seja progressivo, seguro e baseado em evidências, articulando neurobiologia do trauma, psicoterapia cognitivo-comportamental, EMDR, Terapia do Esquema e DBT adaptada, garantindo resultados clínicos mais eficazes.

Técnicas específicas para pacientes desconectados do self

Pacientes que sofreram abuso sexual na infância frequentemente apresentam desconexão profunda de si mesmos, um efeito do trauma precoce e da dissociação. Para esses indivíduos, o tratamento exige técnicas graduais e estruturadas, que promovam reconexão entre corpo, mente e identidade, fortalecendo autonomia, percepção de preferências e senso de self.

Exercícios graduais de escolha: Treino de Autonomia

A dissociação muitas vezes impede que o paciente perceba suas próprias vontades e tome decisões. Exercícios graduais de escolha ajudam a reconstruir o senso de agência:

• Microescolhas diárias: decidir roupas, atividades de lazer, refeições ou músicas.
• Escalonamento progressivo: iniciar com escolhas de baixo risco, avançando para decisões médicas, financeiras ou relacionais.
• Registro e reflexão: após cada escolha, o paciente descreve o processo decisório e emoções envolvidas, fortalecendo percepção de controle e responsabilidade sobre a própria vida.

Objetivo clínico: reduzir dependência de outros, aumentar autoestima e reforçar sensação de autoria sobre decisões pessoais.

Diário de preferências (“coisas que gostei/não gostei hoje”)

O diário de preferências é uma técnica prática para resgatar conexão com gostos, interesses e emoções:

• O paciente registra diariamente atividades, alimentos, músicas, leituras ou interações sociais e identifica se gostou ou não, descrevendo sentimentos e sensações físicas.
• A prática auxilia na reconstrução da identidade, proporcionando dados concretos sobre o que lhe traz prazer ou desconforto.
• Pode ser integrado à terapia cognitivo-comportamental ou à Terapia do Esquema, ajudando a identificar padrões disfuncionais e áreas de autoproteção.

Benefícios clínicos: estimula introspecção, promove consciência de emoções e reforça senso de self consistente.

Grounding somático para reconectar corpo e mente

A dissociação corporal é frequente em sobreviventes, tornando fundamental a reconexão mente-corpo:

• Técnicas de grounding: caminhar descalço, sentir texturas, apertar objetos, perceber respiração e batimentos cardíacos.
• Exercícios interoceptivos: focar em sensações físicas sem julgamento (ex.: calor, frio, tensão muscular).
• Mindfulness corporal: atenção plena aos sinais do corpo, combinando percepção sensorial com registro emocional.

Objetivo clínico: reduzir despersonalização, aumentar tolerância a emoções e preparar o paciente para processamento seguro do trauma.

Trabalho com partes dissociadas (IFS, Terapia do Esquema, Janina Fisher)

Pacientes desconectados frequentemente vivem com partes do self dissociadas: modos vulneráveis, autocríticos ou protetores desligados. O trabalho com partes envolve:

• IFS (Internal Family Systems): identificar e dialogar com partes internas, promovendo integração gradual.
• Terapia do Esquema: mapear modos vulneráveis e autocríticos, oferecendo estratégias de reparentalização limitada e consolidação da identidade adulta.
• Abordagem de Janina Fisher: técnicas de resgate de partes fragmentadas, incluindo imagética guiada, reconexão emocional e ancoragem em recursos internos e externos.

Objetivo clínico: integrar memórias e emoções dissociadas, fortalecer senso de self coeso e reduzir sintomas de trauma complexo.

Role-play para treino de assertividade

Pacientes desconectados do self muitas vezes apresentam submissão crônica e dificuldade de impor limites. O role-play permite:

• Simular situações reais (pedir aumento, recusar convite, negar avanços indesejados).
• Treinar respostas verbais e não verbais, reforçando postura, tom de voz e contato visual.
• Feedback imediato do terapeuta para ajuste de linguagem, atitude e percepção de poder pessoal.

Objetivo clínico: desenvolver habilidades de assertividade, autodefesa emocional e comunicação de limites, reduzindo risco de revitimização.

Integração terapêutica:

Essas técnicas não são isoladas; devem ser combinadas em um plano gradual e personalizado, respeitando ritmo do paciente e integrando:

• Exercícios de escolha → fortalecimento da agência.
• Diário de preferências → resgate da identidade e gostos pessoais.
• Grounding somático → reconexão corpo-mente.
• Trabalho com partes → integração de self dissociado.
• Role-play → assertividade e relações seguras.

Esse conjunto permite que pacientes com trauma complexo e desconexão do self avancem de forma segura para as fases de processamento do trauma e reconstrução da identidade, aumentando eficácia clínica e redução de riscos de revitimização.

Estratégias de ressignificação de crenças

A ressignificação de crenças nucleares disfuncionais é uma etapa central no tratamento de sobreviventes de abuso sexual infantil. Crenças como “foi minha culpa”, “não sou digno(a) de amor” ou “não tenho valor” mantêm sofrimento emocional, revitimização e padrões comportamentais disfuncionais. O objetivo terapêutico é transformar essas crenças em construções adaptativas, promovendo autoestima, senso de agência e relações mais saudáveis.

Exemplo clínico: da culpa à responsabilidade do agressor

Um caso típico envolve a crença “foi minha culpa”. A intervenção segue três etapas:

1. Psicoeducação sobre responsabilidade: o paciente aprende que a culpa pelo abuso sempre pertence ao agressor, e que a criança não podia se proteger. Essa etapa normaliza emoções e reduz autoacusação.
2. Reestruturação cognitiva: através de técnicas de TCC, o terapeuta auxilia o paciente a questionar evidências da crença disfuncional e a formular pensamentos alternativos, como “a responsabilidade foi do agressor, não minha”.
3. Prática de autocompaixão: exercícios de self-compassion reforçam aceitação, cuidado e gentileza consigo mesmo, consolidando a nova crença de forma experiencial e emocional.

Uso de cartões de enfrentamento

Cartões de enfrentamento são ferramentas práticas para ancorar crenças adaptativas em momentos de gatilho emocional:

• Cartões com frases como “A responsabilidade é do agressor, não minha” ou “Tenho direito de estabelecer limites” podem ser levados pelo paciente para uso diário.
• Funcionam como dispositivos de ressignificação imediata, lembrando a pessoa de que a crença disfuncional não precisa guiar decisões ou emoções.
• Podem ser combinados com mindfulness e grounding, aumentando eficácia ao integrar corpo, emoção e cognição.

Técnicas de diálogo socrático

O diálogo socrático é uma ferramenta central da TCC para desconstruir crenças disfuncionais:

• O terapeuta faz perguntas estruturadas para que o paciente explore evidências, inconsistências e consequências de suas crenças.

Exemplo:

• “O que prova que você foi culpado(a)?”
• “Existe outra interpretação possível para o que aconteceu?”
• “Como você falaria com outra pessoa que tivesse passado por isso?”

• Essa abordagem promove reflexão crítica, reduz absolutismo cognitivo e fortalece senso de agência.

Exercícios de autocompaixão (Self-Compassion)

A autocompaixão auxilia a substituir autoacusação por cuidado consigo mesmo, essencial em sobreviventes de trauma:

• Prática formal: meditações guiadas, como “sending kindness” para si mesmo, focadas em aceitar sofrimento sem julgamento.
• Prática informal: lembrar-se de tratar a si mesmo com a mesma gentileza que trataria um amigo em sofrimento.
• Objetivo clínico: reduzir vergonha e culpa crônicas, consolidar crenças adaptativas, fortalecer resiliência emocional e aumentar motivação para decisões autônomas.

Integração terapêutica:

Essas estratégias não são isoladas; funcionam melhor quando combinadas em protocolos estruturados:

1. Psicoeducação → entendimento cognitivo do trauma e responsabilidade.
2. Reestruturação cognitiva + diálogo socrático → transformação ativa da crença.
3. Cartões de enfrentamento → ancoragem prática e diária da crença adaptativa.
4. Exercícios de autocompaixão → consolidação emocional e experiencial.

Essa sequência garante que a ressignificação de crenças ocorra de forma cognitiva, emocional e comportamental, promovendo mudanças duradouras na percepção de si mesmo e nas relações interpessoais.

Papel da Farmacoterapia

O tratamento de sobreviventes de abuso sexual na infância frequentemente exige abordagem multimodal, combinando psicoterapia baseada em evidências com farmacoterapia quando sintomas clínicos severos, como TEPT, depressão ou ansiedade intensa, estão presentes. A farmacoterapia funciona como adjuvante, potencializando a capacidade do paciente de engajar-se na psicoterapia e reduzir sofrimento agudo, mas não substitui o trabalho psicoterápico de ressignificação do trauma e reconstrução do self.

ISRS e Venlafaxina como adjuvantes

Os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) – como sertralina, paroxetina e escitalopram – são os mais estudados no tratamento de TEPT, depressão e ansiedade em sobreviventes de trauma infantil. Seus efeitos incluem:

• Redução de sintomas intrusivos e flashbacks.
• Diminuição de hipervigilância e reatividade emocional.
• Melhora de humor, sono e concentração.
• Potencial aumento da capacidade de engajamento em intervenções psicoterápicas.

A venlafaxina, um inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN), também apresenta eficácia em TEPT resistente e com comorbidade depressiva/anxiosa, podendo ser indicada quando os ISRS isolados não são suficientes ou há sintomas somáticos marcantes.

Importante: a escolha do fármaco deve considerar perfil de efeitos colaterais, comorbidades médicas e resposta individual, sempre com monitoramento contínuo por psiquiatra.

Integração da Psicoterapia com a Farmacoterapia

Estudos mostram que combinar psicoterapia baseada em evidências com farmacoterapia apresenta melhores desfechos clínicos do que qualquer abordagem isolada, especialmente em casos graves:

• Psicoterapia (TF-CBT, EMDR, Terapia do Esquema) promove reestruturação cognitiva, processamento emocional e reconstrução de identidade.
• Farmacoterapia reduz sintomas agudos, aumentando capacidade de tolerar emoções intensas e engajar no trabalho terapêutico.
• A sinergia entre os métodos facilita o resgate do self, regulação emocional e prevenção de recaídas.

Limitações do tratamento medicamentoso isolado

O uso exclusivo de medicamentos apresenta limitações significativas:

• Não ressignifica crenças nucleares disfuncionais.
• Não promove reconexão com o self nem integração de partes dissociadas.
• Não ensina habilidades de regulação emocional, assertividade ou enfrentamento de gatilhos.
• Pode gerar dependência psicológica do fármaco, se não associado a intervenção psicoterápica.

Portanto, a farmacoterapia deve ser vista como ferramenta complementar, essencial quando há sintomas incapacitantes, mas sempre inserida em plano terapêutico multimodal voltado para recuperação da autonomia, identidade e resiliência emocional.

Prevenção de recaídas e manutenção de ganhos terapêuticos

A prevenção de recaídas é um componente crítico no tratamento de sobreviventes de abuso sexual na infância, especialmente aqueles com trauma complexo e histórico de dissociação. Mesmo após a estabilização, processamento e reconstrução da identidade, os pacientes permanecem vulneráveis a gatilhos emocionais, revitimização e regressão de habilidades adquiridas.

Monitoramento contínuo e identificação de gatilhos

• Registro diário de sintomas e emoções: permite identificar padrões precoces de estresse, dissociação ou ativação de memórias traumáticas.
• Mapeamento de gatilhos individuais: situações, pessoas, locais ou lembranças que aumentam risco de retraumatização ou dissociação.
• Plano de ação proativo: antecipar respostas adaptativas, como grounding, respiração diafragmática ou utilização de cartões de enfrentamento.

Reforço das habilidades aprendidas

• Exercícios de regulação emocional: manutenção contínua de mindfulness, grounding somático e técnicas de autocontrole.
• Prática de escolha e autonomia: atividades diárias que reforcem a agência e tomada de decisões conscientes.
• Treino de assertividade: role-plays periódicos ou situações simuladas para manter habilidades de imposição de limites e comunicação efetiva.

Revisão de crenças e ressignificação contínua

• Revisitar crenças disfuncionais antigas para avaliar risco de retorno à autoacusação ou submissão.
• Uso de cartões de enfrentamento, exercícios de autocompaixão e diálogo socrático em momentos de estresse elevado.
• Atualização periódica de crenças adaptativas à medida que o paciente consolida experiências de sucesso, relações seguras e conquistas pessoais.

Suporte social e rede terapêutica

• Manutenção de rede de apoio confiável: familiares, amigos, grupos de sobreviventes ou terapeutas de confiança.
• Participação em grupos estruturados que reforcem aprendizado de habilidades e validação de experiências.
• Supervisão e acompanhamento profissional contínuo, especialmente em casos com histórico de revitimização ou dissociação severa.

Estratégias de manutenção a longo prazo

1. Check-ins periódicos com o terapeuta: revisão de progressos, ajustes de intervenções e reforço de estratégias de coping.
2. Planejamento de crises: protocolo claro de ações em caso de flashbacks, dissociação ou ativação emocional intensa.
3. Integração de novas habilidades no cotidiano: exercícios de mindfulness, diário de preferências, tomada de decisões e comunicação assertiva aplicados de forma natural no dia a dia.
4. Prevenção de revitimização: ensino contínuo de limites, assertividade e percepção de sinais de alerta em relações interpessoais.

Objetivo clínico final: garantir que os ganhos obtidos durante a terapia não apenas se consolidem, mas se transformem em mudanças duradouras na percepção de si, nos relacionamentos e na capacidade de enfrentar o mundo com autonomia e resiliência, minimizando risco de recaídas e promovendo saúde mental sustentada.

Diretrizes internacionais

O tratamento de adultos sobreviventes de abuso sexual na infância deve ser guiado por diretrizes baseadas em evidências internacionais, que consolidam recomendações de psicoterapia, farmacoterapia e protocolos estruturados para trauma complexo. Entre as referências mais relevantes estão a APA (American Psychological Association), ISTSS (International Society for Traumatic Stress Studies) e NICE (National Institute for Health and Care Excellence).

Recomendações da APA (2017, 2019)

• TF-CBT (Trauma-Focused Cognitive Behavioral Therapy) e EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) são consideradas intervenções de primeira linha para trauma infantil e TEPT em adultos.
• Ênfase na exposição gradual, reestruturação cognitiva e dessensibilização de memórias traumáticas.
• Apoio complementar com farmacoterapia (ISRS ou IRSN) quando sintomas graves de depressão, ansiedade ou TEPT comprometem a adesão psicoterápica.

Recomendações da ISTSS (2019)

• Destaca o modelo em fases para trauma complexo:
1. Estabilização e segurança – psicoeducação, regulação emocional, grounding.
2. Processamento do trauma – TF-CBT, EMDR, Terapia do Esquema, DBT adaptada.
3. Integração e reconstrução – resgate da identidade, autoestima e relações seguras.
• Aborda a importância de intervenções graduais e monitoramento contínuo de dissociação e risco de revitimização.

Recomendações da NICE (2018)

• Prioriza psicoterapia focada no trauma, destacando TF-CBT e EMDR, com farmacoterapia como suporte adjuvante.
• Recomenda tratamento estruturado, contínuo e supervisionado, com ênfase na personalização para sintomas de TEPT, depressão e ansiedade.
• Ressalta que o tratamento isolado apenas com medicamentos não é suficiente para promover ressignificação de crenças ou reconstrução da identidade.

Considerações éticas e relação terapêutica

O tratamento de sobreviventes de abuso sexual na infância exige atenção rigorosa às dimensões éticas e à construção de uma relação terapêutica segura, dado o histórico de vulnerabilidade, dissociação e revitimização. A eficácia do protocolo não depende apenas de técnicas psicoterápicas, mas também da qualidade da aliança terapêutica, do respeito ao ritmo do paciente e da manutenção de limites claros.

Importância da aliança terapêutica estável

• A aliança terapêutica é o fator preditivo mais consistente de sucesso em psicoterapia de trauma complexo.
• Envolve confiança, empatia e colaboração, permitindo que o paciente se sinta seguro para explorar memórias traumáticas e emoções associadas.
• Uma aliança sólida também facilita a adesão a técnicas de exposição, ressignificação cognitiva e exercícios de reconexão do self.

Evitar retraumatização durante o processo

• Profissionais devem monitorar constantemente sinais de ativação emocional, dissociação ou desconforto extremo.
• Intervenções devem ser gradualmente escalonadas, com preparações prévias (grounding, lugar seguro, estratégias de coping) antes do processamento de memórias traumáticas.
• Evitar confrontos abruptos ou imposição de narrativas, respeitando limites emocionais e tolerância do paciente.

Papel da validação e do respeito ao ritmo do paciente

• Validar experiências, emoções e respostas do paciente é essencial para resgatar autoestima e confiança no self.
• Permitir que o paciente avance no processamento do trauma no seu próprio ritmo, evitando pressões que possam gerar retraumatização ou abandono da terapia.
• Técnicas de validação incluem escuta ativa, repetição reflexiva e reforço positivo de escolhas e sentimentos legítimos.

Questão da confiança em profissionais (risco de revitimização institucional)

• Sobreviventes de abuso precoce frequentemente apresentam desconfiança intensa em relação a figuras de autoridade ou profissionais, devido a experiências anteriores de violação de limites.
• O terapeuta deve manter limites claros, confidencialidade absoluta e postura ética rigorosa.
• Qualquer quebra de confiança pode resultar em retraumatização institucional, interrompendo progresso terapêutico e reforçando crenças disfuncionais sobre relacionamentos e autoridade.

Integração clínica:

O sucesso terapêutico depende da combinação de técnicas baseadas em evidências com ética rigorosa e construção de uma aliança segura. Isso garante que o paciente possa:

• Engajar-se no processamento do trauma.
• Ressignificar crenças disfuncionais.
• Reconectar-se com o self.
• Construir autonomia e relações seguras no mundo externo.

A atenção ética não é apenas preventiva, mas ativa, orientando cada escolha clínica e fortalecendo a resiliência e segurança do paciente durante todo o protocolo terapêutico.

Exercícios práticos e plano semanal (aplicável ao paciente)

O tratamento de sobreviventes de abuso sexual na infância se beneficia de estruturas semanais claras, que combinam psicoterapia baseada em evidências, técnicas de reconexão do self e exercícios práticos de regulação emocional. O plano abaixo serve como guia adaptativo, podendo ser individualizado conforme necessidades e ritmo do paciente.

Semanas 1-2: Estabilização e técnicas de grounding

Objetivo: criar segurança emocional e reduzir sintomas agudos de dissociação, ansiedade e hipervigilância.

Exercícios sugeridos:

• Grounding somático: perceber sensações físicas (pisar no chão, segurar objeto, respiração profunda).
• Mindfulness de respiração: 5-10 minutos diários, com atenção plena às sensações corporais.
• Plano de segurança: mapear rede de apoio, contatos de emergência e estratégias de coping para crises.
• Tarefas de casa: prática diária de 2-3 técnicas de grounding, registro breve de sentimentos e percepções.

Semanas 3-4: Diário de preferências + treino de pequenas escolhas

Objetivo: reconectar paciente com gostos pessoais e fortalecer agência.

Exercícios sugeridos:

• Diário de preferências: registrar diariamente atividades, alimentos, músicas e interações, indicando se gostou ou não.
• Treino de microescolhas: decidir roupas, refeições, música ou rotina de lazer.
• Tarefas de casa: manter diário, refletir sobre emoções associadas às escolhas e relatar no encontro seguinte.

Semanas 5-8: Início de narrativa ou EMDR (se paciente estabilizado)

Objetivo: processar memórias traumáticas de forma segura, respeitando limites e ritmo.

Exercícios sugeridos:

• TF-CBT: exposição narrativa gradual, começando com memórias menos intensas.
• EMDR: se paciente apresenta regulação emocional adequada e baixa dissociação.
• Reestruturação cognitiva: identificar crenças disfuncionais ativadas durante o relato e aplicar diálogo socrático.
• Tarefas de casa: exercícios de grounding e autorregulação antes e depois das sessões de processamento.

Semanas 9+: Fortalecimento da identidade, assertividade e sexualidade saudável

Objetivo: consolidar ganhos terapêuticos, resgatar self, desenvolver relações seguras e autonomia sexual e relacional.

Exercícios sugeridos:

• Mapeamento de identidade: diário de interesses, valores e conquistas; exercícios de visualização do self.
• Role-play de assertividade: simular situações de limite pessoal e comunicação de necessidades.
• Exploração de sexualidade saudável: discussão sobre limites, consentimento e percepção positiva do corpo.
• Tarefas de casa: exercícios semanais de assertividade, registro de escolhas conscientes e práticas de autocuidado.

Acompanhamentos e tarefas de casa

• Revisão semanal do diário de preferências e progresso nos exercícios de autonomia.
• Prática diária de grounding e mindfulness, especialmente antes de eventos potencialmente gatilho.
• Monitoramento de emoções e sintomas em escala de 0 a 10, com registro de estratégias usadas.
• Discussão em sessão sobre eficácia das estratégias, ajustes necessários e planejamento da próxima fase.

Integração clínica:

Este plano semanal combina estabilização, reconexão do self, processamento seguro do trauma e reconstrução da identidade, garantindo progressão estruturada e segura. Permite ao paciente experimentar autonomia, ressignificar crenças e desenvolver habilidades para relações seguras, fortalecendo a eficácia do protocolo completo baseado em evidências.

O tratamento de sobreviventes de abuso sexual na infância exige uma abordagem multimodal, estruturada e baseada em evidências, que integre:

1. Estabilização e reconexão do self: técnicas de grounding, mindfulness, diário de preferências e exercícios graduais de escolha fortalecem a percepção de agência e reduzem dissociação.

2. Processamento do trauma: TF-CBT, EMDR, Terapia do Esquema e DBT adaptada promovem ressignificação de memórias traumáticas, desmantelando crenças disfuncionais e reduzindo sintomas de TEPT, depressão e ansiedade.

3. Ressignificação de crenças: diálogo socrático, cartões de enfrentamento e exercícios de autocompaixão substituem pensamentos autocríticos e de culpa por construções adaptativas, aumentando autoestima e resiliência.

4. Farmacoterapia adjuvante: ISRS ou venlafaxina auxiliam no manejo de sintomas graves, facilitando engajamento psicoterápico e estabilização emocional, sempre integrada a intervenções psicoterápicas.

5. Prevenção de recaídas: monitoramento contínuo de gatilhos, reforço de habilidades, manutenção de rede de apoio e estratégias de coping asseguram que os ganhos terapêuticos sejam duradouros.

6. Diretrizes internacionais: APA, ISTSS e NICE fornecem referências claras para conduzir protocolos baseados em evidências, enfatizando psicoterapia focada no trauma e abordagem em fases para trauma complexo.

7. Considerações éticas e relação terapêutica: aliança terapêutica sólida, validação, respeito ao ritmo do paciente e manutenção de limites éticos previnem retraumatização e fortalecem confiança, componente essencial para a eficácia do tratamento.

8. Plano prático semanal: exercícios graduais, tarefas de casa e acompanhamento estruturado permitem progressão segura desde estabilização até fortalecimento da identidade, assertividade e sexualidade saudável.

A integração dessas dimensões garante que o paciente recupere autonomia, reconecte-se com suas preferências e emoções, ressignifique crenças disfuncionais e construa relações seguras e satisfatórias.

Se você ou alguém que você acompanha passou por abuso sexual na infância e busca um tratamento estruturado, seguro e baseado em evidências, agende uma sessão de avaliação com profissional especializado em trauma complexo. A intervenção precoce e multimodal aumenta significativamente a eficácia terapêutica, promove resiliência emocional e auxilia na reconstrução de um self íntegro e fortalecido.

Perguntas Frequentes sobre Sobreviventes de Abuso Sexual na Infância

1. Quais são as consequências do abuso sexual na infância na vida adulta?

O abuso sexual infantil pode causar trauma complexo, afetando cérebro, emoções e comportamento. Consequências comuns incluem: TEPT, dissociação, depressão, ansiedade, dificuldade de intimidade, revitimização, transtornos alimentares, abuso de substâncias e baixa autoestima. Alterações cerebrais podem incluir hiperativação da amígdala, alterações no hipocampo e no córtex pré-frontal, impactando regulação emocional e tomada de decisão.

2. Qual é a terapia mais indicada para abuso sexual infantil em adultos?

Terapias baseadas em evidências incluem:
• TF-CBT (Terapia Cognitivo-Comportamental Focada no Trauma)
• EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares)
• Terapia do Esquema (para trauma complexo)
• DBT adaptada para trauma
O tratamento costuma seguir modelo em fases: estabilização, processamento do trauma e integração da identidade. A farmacoterapia adjuvante pode ser usada quando há sintomas graves de depressão, ansiedade ou TEPT.

3. O EMDR funciona para memórias traumáticas de infância?

Sim. O EMDR é eficaz para dessensibilizar memórias traumáticas, reduzir sofrimento emocional e ressignificar crenças disfuncionais associadas ao abuso. Funciona melhor quando o paciente está estabilizado emocionalmente, com habilidades de regulação e grounding, e é frequentemente combinado com psicoeducação e reestruturação cognitiva.

4. Como ajudar pacientes que não lembram do abuso sexual na infância?

Mesmo quando há amnésia parcial ou dissociação de memórias traumáticas, é possível trabalhar com:
• Psicoeducação sobre trauma e dissociação
• Técnicas de grounding e autorregulação
• Ressignificação de crenças disfuncionais
• Trabalho com partes dissociadas (IFS, Terapia do Esquema)
O foco é reduzir sintomas, reconectar o self e fortalecer autonomia, mesmo sem acesso detalhado às memórias explícitas.

5. Abuso sexual na infância sempre causa TEPT?

Não. Embora seja um fator de risco significativo, nem todos os sobreviventes desenvolvem TEPT. O desenvolvimento do transtorno depende de fatores como: suporte social, resiliência individual, presença de traumas adicionais e estratégias de coping. Porém, é comum que sobreviventes apresentem outros efeitos emocionais e comportamentais, como depressão, ansiedade, dissociação e dificuldades de relacionamento.

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