A ideia revolucionária de “enviar amor à dor”
Nos últimos anos, práticas psicoterapêuticas baseadas na compaixão e no acolhimento afetivo têm demonstrado efeitos poderosos na modificação de memórias traumáticas. Uma pergunta que intriga tanto psicólogos quanto neurocientistas é: seria possível “enviar amor” a uma memória traumática e, assim, desestabilizá-la e ressignificá-la?
A resposta é surpreendente: sim, e a explicação está na neurociência da memória e da emoção.
Neste artigo, você vai entender como isso acontece, com base em evidências científicas, e conhecer estratégias terapêuticas que aplicam esse conceito.
O que é um engrama traumático?
Na neurociência, engramas são os traços físicos e funcionais de uma memória, representados por padrões de conexões sinápticas e ativação neural.
No caso de uma experiência traumática, o engrama se consolida com uma carga emocional negativa intensa, principalmente mediada pelas estruturas límbicas, como a amígdala cerebral.
Esse registro traumático, ao ser reativado, desencadeia automaticamente respostas fisiológicas e comportamentais defensivas — mesmo que a ameaça original já não exista.
Como o amor cria uma dissonância cognitiva terapêutica
Quando evocamos deliberadamente uma memória dolorosa e, ao invés de alimentarmos o medo ou o ressentimento, direcionamos afeto, compaixão e amor, criamos uma dissonância cognitiva.
Ou seja, provocamos um conflito interno entre dois sistemas de representação:
• “Essa memória é uma ameaça.”
• “Essa memória merece amor, acolhimento.”
Este conflito ativa o mecanismo natural do cérebro de buscar coerência emocional e cognitiva, gerando uma janela de oportunidade para a reconsolidação da memória.
A neurociência da reconsolidação: como memórias podem ser modificadas
Pesquisas em neurociência demonstraram que, quando uma memória é evocada, ela entra em um estado transitório de labilidade sináptica — ou seja, torna-se maleável e suscetível a mudanças.
Se, nesse estado, introduzimos uma nova experiência emocional, como o envio intencional de amor ou compaixão, o cérebro pode alterar as conexões neurais associadas àquela memória.
Esse processo, conhecido como reconsolidação, é mediado por diversos neurotransmissores e neuromoduladores, como:
• Oxitocina – promove sensação de segurança e reduz a percepção de ameaça.
• Serotonina – regula o humor e promove bem-estar.
• Dopamina – reforça experiências emocionalmente positivas.
Por que o amor é uma força de desestabilização engramática?
O amor é, neurobiologicamente, uma força que reduz o estado de alerta e a percepção de perigo.
Quando uma memória marcada por sofrimento recebe esse tipo de afeto, há uma desestabilização engramática: o padrão neural associado à dor perde sua rigidez e, progressivamente, sua capacidade de gerar sofrimento.
Esse fenômeno é comparável a um descondicionamento emocional, em que o estímulo antes aversivo passa a ser percebido com neutralidade — ou até mesmo com gratidão e aprendizado.
Terapias que aplicam essa lógica
Diversas abordagens psicoterapêuticas contemporâneas utilizam, consciente ou inconscientemente, esse princípio neurocientífico:
• Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) – através da reestruturação cognitiva e da exposição emocional.
• EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares) – evocação controlada da memória com foco na desensibilização.
• Terapia Focada na Compaixão – desenvolvimento de uma postura amorosa e compassiva diante da dor.
• Técnicas de Reprocessamento Emocional – uso deliberado da imaginação e do afeto para modificar traumas.
A emoção como energia em movimento: o conceito de e-motion
O termo “emoção” deriva de e-motion, ou seja, energia em movimento.
Quando ressignificamos uma memória, não eliminamos a informação factual, mas modificamos a carga energética associada a ela.
Se essa carga passa de negativa para neutra ou até positiva, ocorre uma mudança fisiológica na forma como o corpo e o cérebro reagem ao evocá-la.
Esse fenômeno é descrito como uma reconfiguração das redes neurais e dos padrões fisiológicos de resposta.
O risco da desestabilização sem suporte
Embora poderosa, essa estratégia requer cuidado clínico.
Se feita sem recursos adequados de autorregulação emocional, a desestabilização de um engrama pode provocar desorganização psíquica ou sintomas dissociativos.
Por isso, o processo terapêutico deve ser guiado por um profissional capacitado, que ofereça um ambiente seguro e acolhedor.
Método E-Motion Reset (EMR): Como enviar amor a uma memória traumática de forma prática
1. Evocar a memória dolorosa em um ambiente seguro.
2. Respirar profundamente, acolhendo as emoções que surgirem.
3. Intencionalmente, enviar amor, compreensão e compaixão para essa memória.
4. Permitir-se sentir como seria se essa memória não fosse mais uma ameaça.
5. Repetir o processo até perceber uma redução da carga emocional.
Esse exercício, simples mas profundo, pode ser o começo de um processo terapêutico transformador.
Amor como ferramenta neuropsicológica de cura
Cada vez mais, a ciência confirma aquilo que muitas tradições espirituais já defendiam: o amor tem poder terapêutico real e mensurável.
Na psicoterapia, aprender a enviar amor às feridas emocionais pode ser o caminho mais eficaz para transformar dor em aprendizado, sofrimento em sabedoria, e trauma em libertação.
Perguntas Frequentes sobre Neurociência da Reconsolidação Emocional
1. É realmente possível mudar uma memória traumática apenas enviando amor a ela?
Sim, é possível. Quando uma memória traumática é evocada e, ao mesmo tempo, associada a uma nova experiência emocional de afeto ou compaixão, ocorre um fenômeno chamado reconsolidação da memória. Esse processo modifica as conexões neurais associadas à memória original, reduzindo a carga emocional negativa.
2. Enviar amor a uma memória dolorosa não pode piorar o sofrimento?
Se a prática for realizada sem preparo ou suporte emocional, pode haver riscos de retraumatização. Por isso, é recomendado realizar esse processo com a orientação de um profissional qualificado, como um psicólogo ou terapeuta especializado, que possa oferecer um ambiente seguro e estratégias de regulação emocional.
3. A técnica de enviar amor a uma memória é cientificamente comprovada?
Sim, existem evidências científicas que sustentam o conceito de reconsolidação de memórias, bem como os efeitos terapêuticos do afeto, da compaixão e da oxitocina na modificação da percepção emocional de experiências traumáticas. Embora a metáfora de “enviar amor” seja simbólica, o efeito neurobiológico é real.
4. O que significa desestabilização engramática?
Desestabilização engramática refere-se ao processo pelo qual um engrama — a representação neural de uma memória — perde temporariamente sua estabilidade ao ser reativado. Durante esse estado de labilidade, novas informações emocionais podem modificar ou até enfraquecer o engrama traumático, tornando-o menos impactante.
5. Quais terapias utilizam essa técnica na prática clínica?
Terapias como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), EMDR, Terapia Focada na Compaixão e técnicas de Reprocessamento Emocional utilizam princípios semelhantes ao enviar amor ou compaixão a memórias dolorosas. Elas trabalham com a evocação controlada da memória e a introdução de novas respostas emocionais para promover a reconsolidação terapêutica.
DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
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