Os transtornos alimentares, como anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar, têm um impacto significativo na saúde emocional e física dos indivíduos. O tratamento desses transtornos exige um entendimento profundo das causas subjacentes, das crenças disfuncionais sobre a alimentação e o corpo, e da motivação para mudança. As abordagens terapêuticas devem ser integradas e dinâmicas, utilizando técnicas que permitam ao paciente desenvolver uma nova relação com a comida e consigo mesmo. A terapia motivacional, a psicoeducação e a reestruturação cognitiva são algumas das estratégias fundamentais que podem ser adotadas.
A motivação como ponto de partida: ambivalência e mudança
Quando um paciente apresenta ambivalência em relação ao tratamento, como ocorre frequentemente em casos de anorexia nervosa, especialmente em pacientes egossintônicos, ou seja, que não reconhecem o transtorno como algo negativo, é fundamental utilizar metodologias motivacionais. A motivação é um componente essencial para o sucesso terapêutico, e deve ser trabalhada de forma cuidadosa e estratégica, sempre respeitando o ritmo e as percepções do paciente.
A ambivalência é uma característica comum em pacientes com transtornos alimentares, já que muitos deles não percebem que suas atitudes e comportamentos em relação à alimentação são prejudiciais. Em casos como a anorexia, a preocupação com o peso e a forma corporal muitas vezes toma proporções que são internalizadas como parte da identidade do indivíduo. No entanto, essa identidade é frequentemente moldada por uma série de crenças disfuncionais que precisam ser desafiadas para que o paciente possa superar os comportamentos desadaptativos.
O uso de exercícios terapêuticos pode ser eficaz para ajudar o paciente a reconhecer e questionar essas crenças. Um exemplo disso é o exercício de reflexão, onde o terapeuta faz perguntas abertas e afirmações que visam explorar as necessidades e desejos do paciente. Por exemplo, quando uma paciente diz: “Eu não sou boa o suficiente, nada do que faço é direito”, o terapeuta pode refletir de volta: “Eu percebo que você acredita que não tem valor, justamente por conta da sua relação rígida com a comida e a imagem corporal. Mas o que você acredita que torna alguém digno de valor, além de seu peso e aparência?” Esse tipo de questionamento busca ressignificar o valor da paciente, desafiando as crenças relacionadas ao corpo e ao peso.
O Modelo Transteórico de Mudança: etapas da transformação
Um dos modelos mais utilizados para entender o processo de mudança em transtornos alimentares é o modelo transteórico de mudança, desenvolvido por Prochaska e DiClemente. Este modelo sugere que a mudança não ocorre de forma linear e imediata, mas passa por uma série de estágios:
1. Pré-contemplação: O paciente não reconhece que tem um problema ou que seu comportamento está causando danos.
2. Contemplação: O paciente começa a refletir sobre a possibilidade de mudança, mas ainda sente dúvidas.
3. Preparação: O paciente se prepara para iniciar a mudança, considerando passos para alterar seu comportamento.
4. Ação: O paciente começa a implementar novos comportamentos e estratégias para mudar.
5. Manutenção: Após seis meses ou mais de mudança, o paciente mantém os novos comportamentos e começa a lidar com os desafios da manutenção.
Intervenção nas diferentes fases:
• Pré-contemplação: Aqui, o foco é trabalhar a psicoeducação, aumentando a consciência do paciente sobre os impactos negativos do transtorno alimentar e desafiando a crença de que ele está no controle de tudo. Exemplo disso é a reflexão sobre os efeitos do uso de laxantes ou a indução de vômitos, que são práticas comuns em alguns pacientes.
• Contemplação: A técnica de balança decisória é frequentemente utilizada nesta fase. O terapeuta pede ao paciente que faça uma lista das vantagens e desvantagens de manter seu comportamento alimentar atual em comparação com a possibilidade de mudança.
• Ação e Manutenção: Nesse ponto, a mudança começa a se tornar mais concreta. O terapeuta pode trabalhar com o paciente o monitoramento dos comportamentos alimentares (comer mais flexivelmente e com menos rigidez), a prática do auto-monitoramento (registro diário de sentimentos, pensamentos e comportamentos relacionados à comida), e a introdução de técnicas comportamentais para garantir a manutenção dos novos hábitos.
Estratégias Cognitivas e Comportamentais: reestruturando crenças e comportamentos
Além dos processos motivacionais, o tratamento também envolve a modificação de crenças disfuncionais e a implementação de novos comportamentos. As estratégias cognitivas incluem a reestruturação de pensamentos distorcidos, como a crença de que o valor de uma pessoa está atrelado ao seu peso ou à sua aparência. O terapeuta pode, por exemplo, desafiar essas ideias com perguntas como: “O que você acredita que realmente define o valor de uma pessoa? Quais são as qualidades que você tem, além da sua aparência?” Essa abordagem visa ajudar o paciente a perceber que seu valor vai além do corpo e do peso, ressignificando sua identidade.
Nos processos comportamentais, o uso de técnicas como o controle de estímulos e o condicionamento é essencial. O paciente é incentivado a criar ambientes que favoreçam escolhas alimentares mais saudáveis e evitar situações que desencadeiem comportamentos disfuncionais. Um exemplo disso é evitar o comportamento de indução de vômito após as refeições, estabelecendo limites e estratégias para que o paciente não recorra a esse comportamento.
Gerenciamento de reforços é outra técnica comportamental importante. O terapeuta deve ajudar o paciente a identificar os ganhos secundários da mudança, como maior sensação de controle sobre sua vida e bem-estar, bem como maior energia e motivação para se engajar em outras áreas da vida, como trabalho, família e lazer.
A perspectiva Transdiagnóstica: a abordagem integral
A perspectiva transdiagnóstica, conforme proposta por Fairburn, é uma das abordagens mais eficazes no tratamento de transtornos alimentares. Essa perspectiva sugere que o problema central nos transtornos alimentares não é o comportamento alimentar em si (como a dieta restritiva, compulsão alimentar ou purgação), mas as crenças e atitudes anormais em relação ao peso e à forma corporal.
O protocolo de tratamento transdiagnóstico unificado envolve o uso de uma abordagem terapêutica que se adapta às necessidades individuais do paciente, independentemente do diagnóstico específico (anorexia, bulimia, compulsão alimentar, etc.). O tratamento foca na reestruturação cognitiva das crenças disfuncionais e nas mudanças comportamentais necessárias para superar o transtorno.
Além disso, o tratamento transdiagnóstico envolve uma abordagem terapêutica ampla que não se limita a tratar os sintomas alimentares, mas também os obstáculos emocionais, como perfeccionismo, intolerância ao humor, baixa autoestima e dificuldades interpessoais, que podem estar presentes em muitos pacientes com transtornos alimentares.
Uma abordagem holística
O tratamento de transtornos alimentares é complexo e multifacetado, envolvendo uma compreensão profunda dos processos cognitivos, emocionais e comportamentais que sustentam a condição. A integração de técnicas motivacionais, cognitivas e comportamentais, juntamente com uma abordagem transdiagnóstica, permite que o terapeuta desenvolva uma intervenção personalizada, respeitando o ritmo e as necessidades de cada paciente. A chave para o sucesso do tratamento é promover uma mudança gradual e sustentável na percepção do paciente sobre si mesmo, sua alimentação e seu corpo, ajudando-o a ressignificar seu valor e a desenvolver uma relação mais saudável e flexível com a comida e com seu corpo.
Com o tempo, e com o apoio adequado, os pacientes podem superar os desafios que os transtornos alimentares impõem e reconstruir uma vida mais equilibrada e saudável, fundamentada em uma autoestima positiva e em comportamentos alimentares adaptativos.
DR. OSVALDO MARCHESI JUNIOR
Psicólogo em São Paulo - CRP - 06/186.890
Atendimentos Psicológicos On-line e Presenciais para pacientes no Brasil e no exterior.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Hipnoterapia.
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